sábado, 31 de março de 2012

A MORTE DE UM HOMEM BOM--Uma mensagem para a Semana Santa.

1. Para começar Foi uma viagem de dezenove horas de barco de Auxiliadora de Uruapiara até Humaitá-AM para participar no meu primeiro encontro com o presbitério da diocese e a Missa dos Santos Óleos. Aproveitei algumas das horas desta viagem para ler o Evangelho de Marcos (Mc), lido na liturgia durante este ano e anotar umas reflexões sobre a narrativa da paixão nos capítulos 14 e 15 deste evangelho. De acordo com Mc Jesus de Nazaré veio a Galiléia após a prisão de João Batista anunciando a iminente aproximação do Reino de Deus (Mc 1,14). Na sua práxis o Nazareno libertou pessoas de diversas aflições (cfr. 1,21-28); interpretou as leis e costumes com autoridade incomum, o que hostilizou os que exerciam o poder na sociedade (cfr. 2,23-28); e com liberdade inaudita sentou-se a mesa com todas as camadas da sociedade (cfr. 2,13-17).Seus ouvintes ficaram extasiados com o novo jeito deste rabino (cfr. 1,21-22); muitos lhe seguiram. Dentre eles escolheu um pequeno grupo de doze para dar formação especial (cfr. 3,13-19). Não passou muito tempo, o povo comum (cfr. 5,1-12) assim também os detentores de poder começaram a sentir incomodados com a forma particular de agir do Nazareno (cfr. 3,1-6), e sua missão em Galiléia fracassou (cfr. 6,1-6). Não obstante, Jesus dirigiu se a Jerusalém, o centro de poder religioso e político; ao chegar ele atacou todo o sistema da vida centrada no templo. O rabino de Galiléia, com a purificação do templo (11,15-19), provocou admiração de muitos, mas também unificou as forças contra ele que vinham crescendo. Até mesmo seus seguidores escolhidos para convivência íntima e receberam formação particular não deram conta de entender seus propósitos (cfr. 8,31-33; 9,30-37; 10,32-45). 2. O final da vida de Jesus de Nazaré A narração da paixão de Jesus (14 e 15) tem uma introdução (14,1-11): essa nos apresenta três elementos importantes. O primeiro é que as autoridades têm uma decisão firme de eliminar o Nazareno, agora visto como uma ameaça ao sistema e aguardam o momento oportuno para executar seu plano. O segundo é a não compreensão e a irritação crescente entre seus seguidores mais íntimos como evidencia a narrativa do episódio da mulher que unge Jesus com perfume de alto valor. O terceiro elemento é a colaboração que Judas, um dos de Jesus, oferece às autoridades para entregá-lo por um preço. Está tudo pronto para apagar o rabino que suscitou tantas expectativas em todos e em pouco tempo frustrou todas elas. Tal frustração causou uma coalizão de todas as forças hostis a ele unirem num esforço bem sucedido. Todos os evangelhos testemunham que a prisão, condenação e morte de Jesus de Nazaré aconteceram no contexto pascal. A última ceia, assim como está descrita em Mc (14,12-31) é marcada por tristeza profunda oriunda da consciência que Jesus tem da traição iminente. Os gestos e palavras pronunciadas nesta ocasião tornaram se memória perpetuada no rito eucarístico nas comunidades dos seus seguidores desde então. Jesus fala abertamente sobre sua prisão por traição durante a ceia; todos, sem exceção nenhuma, fazem protestos de lealdade. A falta da solidariedade dos seus discípulos no momento que ele mais precisava, pois estavam todos cansados e adormeceram enquanto ele se encontrava numa luta interior de não se desviar do caminho escolhido, não parece muito diferente do que acontece com lideranças comprometidas com causas libertadoras de todos os tempos. A invasão policial (14,32-52) nas altas horas da noite ou de madrugada não é técnica nova de nossos dias. Jesus, de acordo com os evangelhos, esperava tal ação. Recriminou a falta da solidariedade dos seus discípulos como faria qualquer um na situação semelhante. Estavam falando ainda, quando aconteceu a ação policial. Houve confusão que resultou em feridos porque seus discípulos, apesar do desânimo e incompreensão, ofereceram resistência armada contra a prisão do seu mestre. A força superior ganhou a batalha, Jesus foi capturado e seus defensores fugiram. 3. O assassinato judicial premeditado de Jesus: o julgamento religioso (14,53-72) As autoridades não perderam tempo em dar início ao processo contra o Nazareno, agora em cativeiro. Duas acusações foram levantadas contra ele: o primeiro foi o atentado contra o templo e o sistema da vida construída ao seu redor – pelo exposto no evangelho, não houve unanimidade entre testemunhas dificultando a condenação do réu; a segunda acusação de blasfêmia foi mais fácil de provar. A resposta de Jesus ao Sumo Sacerdote (14,62) era blasfematória aos ouvidos dos judeus. Com o gesto dramático de rasgar suas roupas o Sumo Sacerdote induziu a assembleia toda declarar com unanimidade que o Nazareno era réu de morte. Enquanto isso, Pedro, posteriormente chefe das comunidades dos seguidores de Jesus de Nazaré, passa por um momento inusitado de vexame e humilhação. Na hora da prisão de Jesus ele, não tendo sucesso na luta para salvar seu mestre, fugiu, entretanto não abandonou Jesus. Ele acompanhava todo o processo de distância. Infelizmente ele foi descoberto e identificado como um dos seguidores do rabino de Galiléia; para salvar sua vida ele precisou negar seu mestre três vezes pelo qual ele passou a chorar amargamente. 4. Um assassinato judicial arrumado: o julgamento político (15,1-20) O governador romano não encontrou crime nenhum que merecia pena da morte e tentou libertar o rabino da Galiléia, porém autoridades judaicas forçaram a sentença da pena da morte com a manipulação astuciosa dos acontecimentos do dia para conseguir seu propósito de matar o Nazareno que ameaçava a própria base da organização da sociedade judaica. O condenado sofreu nas mãos do exército romano as torturas que os prisioneiros de hoje sofrem em lugares diversos como Iraq, Afeganistão, Chechênia, Tibet e vários outros. Divertiram-se os soldados com “O Rei dos Judeus”. 5. A execução da pena da morte (15,20-47) Foi necessário requisitar a ajuda de um camponês para carregar a cruz do condenado até Gólgota, o local de execução, visto que o réu era fraco demais e corria perigo da morte antes de ser crucificado. Na cabeceira da sua cruz tinha um letreiro que informava do seu crime. Os passantes e as autoridades judaicas zombavam o crucificado por atacar o templo (a bolsa de valores?) e por ser um (falso) Salvador. Todavia os espectadores no local não eram unânimes; tinha simpatizantes do crucificado, mas havia também os outros, que queriam ver se Elias viria descê-lo da cruz. A morte de Jesus foi acompanhado de vários fenômenos: escuridão, rasgar o véu do templo e finalmente as palavras do centurião: realimente ele era um homem bom. Um grupo de mulheres que acompanhavam o Nazareno durante seu ministério em Galiléia fizeram se presentes no local e assistiam tudo de uma distância. No final da tarde os amigos de Jesus liderado por José de Arimatéia pediu a licença do governador romano e tomou as providências para dar funeral digno que as circunstâncias permitiam. Maria Madalena e Maria, mãe de Joset observavam tudo com muita atenção. Parecia que mais um homem bom que queria mudar as coisas para seguir a utopia humana foi sepultado. 6. Para finalizar... Todos nós conhecemos mulheres e homens bons que têm um jeito para nos sacudir e nos desafiar sair do nosso comodismo. É refrescante essa novidade, mas com tempo ela se torna incômoda quando suas exigências começam desfazer as próprias estruturas sobre as quais se baseiam nossas seguranças. Ansiedade e angustia tomam conta de nós e o fascínio inicial sofre transformações. Geralmente as consequências desta transformação são fatais para os que querem promover mudanças. Jesus de Nazaré não foi o único que passou por tal experiência que se repete desde sempre em nossa história. O rabino de Galiléia alimentou expectativas em todo mundo com seu jeito totalmente sem precedentes. Em pouco tempo todas elas foram frustradas. Até mesmo os que foram seus escolhidos não tiveram sucesso em compreendê-lo. Os discípulos mesmo com a convivência íntima com Jesus e a instrução especial que receberam dele, não deram conta de acompanhar Jesus de Nazaré. Assim distanciados do mestre, nem foram solidários nas horas em que ele precisava mais. Não foi difícil encontrar entre eles o colaborador que as autoridades precisavam para executar o plano de eliminar a ameaça que agora era Jesus. Mesmo assim o que sobrou do grupo ofereceu resistência à prisão de Jesus com luta armada. A força superior das autoridades ganhou a luta e o grupo de discípulos dispersou-se. Entretanto Pedro tomou coragem e acompanhou o processo contra seu mestre até que fosse reconhecido e identificado com um dos seguidores do Nazareno. Ele jurou o desconhecimento de Jesus de Nazaré repetidamente para se salvar. Logo admitiu seu erro e chorou amargamente pela sua covardia. A presença feminina na história de Jesus de Nazaré é bem atestada em todo Evangelho de Marcos. As mulheres acompanharam o Nazareno em toda sua trajetória da vida e agora, no momento da sua morte, este grupo é o elo entre o que foi e o que virá. O centurião romano, encarregado de executar a pena da morte não podia não notar a radical novidade da situação na morte de Jesus e disse: “Na verdade, este homem era Filho de Deus”(15,39). Algumas vezes na história a humanidade foi capaz de reconhecer, ao eliminar alguém que incomodava a ordem estabelecida, e dizer: acabamos de matar um homem bom! Jesus de Nazaré, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Oscar Romero, Dorothy Stang... Pe. Kurian

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