quarta-feira, 5 de novembro de 2014

OS DESAFIOS PASTORAIS DA FAMÍLIA NO CONTEXTO DA EVANGELIZAÇÃO INSTRUMENTUM LABORIS

Index
  BackTopPrint

SÍNODO DOS BISPOS
________________________________________________________
III ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS
OS DESAFIOS PASTORAIS DA FAMÍLIA
NO CONTEXTO DA EVANGELIZAÇÃO
INSTRUMENTUM LABORIS
Cidade do Vaticano
2014

ÍNDICE
CONCLUSÃO (158-159)

CV Caritas in Veritate Carta Encíclica de Bento XVI (29 de Junho de 2009)
DCE Deus Caritas Est Carta Encíclica de Bento XVI  (25 de Dezembro de 2005)
DV Dei VerbumConstituição dogmática sobre a divina revelação, Concílio Ecuménico Vaticano II
EG Evangelii Gaudium Exortação Apostólica de Francisco (24 de Novembro de 2013)
FC Familiaris Consortio Exortação Apostólica de João Paulo II (22 de Novembro de 1981)
GS Gaudium et Spes, Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo,Concílio Ecuménico Vaticano II
GE Gravissimum Educationis, Declaração sobre a educação cristã, Concílio Ecuménico Vaticano II.
HV Humanae Vitae Carta Encíclica de Paulo VI (25 de Julho de 1968)
LF Lumen Fidei Carta Encíclica de Francisco (29 de Junho de 2013)
LG Lumen Gentium, Constituição dogmática sobre a Igreja, Concílio Ecuménico Vaticano II
SC Sacramentum Caritatis Exortação Apostólica pós-sinodal de Bento XVI  (22 de Fevereiro de 2007)

APRESENTAÇÃO
No dia 8 de Outubro de 2013, o Papa Francisco convocou a III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, acerca do tema: Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização. A Secretaria Geral do Sínodo deu início à preparação mediante o envio do Documento Preparatório, que suscitou uma vasta resposta eclesial por parte do povo de Deus, reunida no presente Instrumentum Laboris. Considerando a amplidão e a complexidade do tema, o Santo Padre definiu um itinerário de trabalho em duas etapas, que constitui uma unidade orgânica. Na Assembleia Geral Extraordinária de 2014, os Padres sinodais avaliarão e aprofundarão os dados, os testemunhos e as sugestões das Igrejas particulares, com a finalidade de enfrentar os novos desafios sobre a família. A Assembleia Geral Ordinária de 2015, mais representativa do episcopado, inserindo-se no precedente trabalho sinodal, meditará ulteriormente sobre as temáticas abordadas para encontrar adequadas linhas de acção pastorais.
Instrumentum Laboris nasce das respostas ao questionário do Documento Preparatório, publicado no mês de Novembro de 2013, estruturado em oito grupos de perguntas relativas ao matrimónio e à família, e amplamente difundido. As respostas, numerosas e minuciosas, foram enviadas pelos Sínodos das Igrejas Orientais Católicas sui iuris, pelas Conferências Episcopais, pelos Dicastérios da Cúria Romana e pela União dos Superiores-Gerais. Chegaram directamente à Secretaria Geral também respostas – chamadas observações – da parte de um número significativo de dioceses, paróquias, movimentos, grupos, associações eclesiais e realidades familiares, assim como de instituições académicas, especialistas, fiéis e outras pessoas interessadas em fazer conhecer a própria reflexão.
O texto está estruturado em três partes e retoma, em conformidade com uma ordem funcional à Assembleia sinodal, as oito temáticas propostas no questionário. A primeira parte é dedicada ao Evangelho da família, entre desígnio de Deus e vocação da pessoa em Cristo, horizonte no qual se relevam o conhecimento e a recepção do dado bíblico e dos documentos do Magistério da Igreja, incluindo as dificuldades, entre as quais a compreensão da lei natural. A segunda parte aborda as várias propostas de pastoral familiar, os relativos desafios e as situações mais difíceis. A terceira parte é dedicada à abertura à vida e à responsabilidade educacional dos pais, que caracterizam o matrimónio entre o homem e a mulher, com referência particular às situações pastorais actuais.
O presente documento, fruto do trabalho colegial proveniente da consulta das Igrejas particulares que a Secretaria Geral do Sínodo recolheu e elaborou juntamente com o Conselho de Secretaria, é colocado nas mãos dos Membros da Assembleia Geral sinodal como Instrumentum Laboris. Ele oferece um panorama amplo, embora não exaustivo, da situação familiar contemporânea, dos seus desafios e das reflexões que suscita.
Os temas que não estão incluídos neste documento, alguns dos quais foram indicados pelas respostas no n. 9 (outros) do questionário, serão abordados durante a Assembleia Geral Ordinária do Sínodo de 2015.
Lorenzo Card. Baldisseri Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos

Vaticano, 24 de Junho de 2014,
Solenidade da Natividade de São João Baptista.

PREMISSA
O anúncio do Evangelho da família constitui uma parte integrante da missão da Igreja, porque a revelação de Deus ilumina a realidade da relação entre o homem e a mulher, do seu amor e da fecundidade do seu relacionamento. Na época contemporânea, a difundida crise cultural, social e espiritual constitui um desafio para a evangelização da família, núcleo vital da sociedade e da comunidade eclesial. Tal anúncio põe-se em continuidade com a Assembleia sinodal sobre A nova evangelização para a transmissão da fé cristã e o Ano da féproclamado por Bento XVI.
A Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo acerca do tema: Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização, tendo em consideração que «a tradição apostólica progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo» (DV 8), é chamada a meditar sobre o caminho a seguir, para comunicar a todos os homens a verdade do amor conjugal e da família, enfrentando os seus múltiplos desafios (cf.EG 66). A família constitui um recurso inesgotável e uma fonte de vida para a pastoral da Igreja; por conseguinte, a sua tarefa primária é o anúncio da beleza da vocação para o amor, grande potencial também para a sociedade. Perante esta urgência, cum et sub Petro, o episcopado põe-se em dócil escuta do Espírito Santo, ponderando sobre os desafios pastorais dos dias de hoje.
Consciente de que as dificuldades não determinam o horizonte último da vida familiar e de que as pessoas não se encontram unicamente diante de problemáticas inéditas, a Igreja constata de bom grado os impulsos, sobretudo entre os jovens, que fazem entrever uma nova primavera para a família. A este propósito, podem-se encontrar testemunhos significativos nos numerosos congressos eclesiais, onde se manifesta claramente, sobretudo nas novas gerações, um renovado desejo de família. Diante de tal aspiração, a Igreja é solicitada a oferecer assistência e acompanhamento, a todos os seus níveis, em fidelidade ao mandato do Senhor de anunciar a beleza do amor familiar. Nos seus encontros com as famílias, o Sumo Pontífice encoraja sempre a olhar com esperança para o próprio futuro, recomendando estes estilos de vida através dos quais se conserva e se faz prosperar o amor em família: pedir licença, agradecer e pedir perdão, sem jamais deixar que o sol se ponha sobre uma desavença ou uma incompreensão, sem ter a humildade de pedir desculpa um ao outro.
Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco reiterou: «Deus nunca se cansa de nos perdoar; nunca! [...] nós, às vezes, cansamo-nos de pedir perdão» (Angelus, 17 de Março de 2013). Esta ênfase sobre a misericórdia suscitou um impacto relevante também sobre as questões relativas ao matrimónio e à família enquanto, longe de qualquer moralismo, confirma e descera horizontes na vida cristã, independentemente dos limites que pudemos experimentar e dos pecados que tivermos cometido. A misericórdia de Deus abre à conversão contínua e ao renascimento permanente.


I PARTE
COMUNICAR O EVANGELHO DA FAMÍLIA HOJE
Capítulo I
O desígnio de Deus sobre matrimónio e família
A família à luz do dado bíblico
1. O livro do Génesis apresenta o homem e a mulher criados à imagem e semelhança de Deus; no acolhimento recíproco, eles reconhecem-se feitos um para o outro (cf.Gn 1, 24-31; 2, 4b-25). Através da procriação, o homem e a mulher são tornados colaboradores de Deus no acolhimento e transmissão da vida: «Transmitindo aos seus descendentes a vida humana, o homem e a mulher, como esposos e pais, cooperam de modo único na obra do Criador» (CCC 372). Além disso, a sua responsabilidade alarga-se à preservação da criação e ao crescimento da família humana. Na tradição bíblica, a perspectiva da beleza do amor humano, espelho do divino, desenvolve-se sobretudo no Cântico dos Cânticos e nos profetas.
2. O anúncio da Igreja sobre a família encontra o seu fundamento na pregação e na vida de Jesus, o qual viveu e cresceu na família de Nazaré, participou nas bodas de Caná, das quais enriqueceu a festa com o primeiro dos seus «sinais» (cf. Jo 2, 1-11), apresentando-se como o esposo que une a si a Esposa (cf. Jo 3, 29). Na cruz, entregou-se com amor até ao fim, e no seu corpo ressuscitado estabeleceu novas relações entre os homens. Revelando plenamente a misericórdia divina, Jesus concede que o homem e a mulher recuperem aquele «princípio» segundo o qual Deus os uniu numa só carne (cf. Mt 19, 4-6), mediante o qual - com a graça de Cristo - eles são tornados capazes de se amarem para sempre e com fidelidade. Portanto, a medida divina do amor conjugal, à qual os cônjuges estão chamados por graça, tem a sua nascente na «beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado» (EG 36), coração do Evangelho.
3. Jesus, ao assumir o amor humano, também o aperfeiçoou (cf. GS 49), entregando ao homem e à mulher um modo novo de se amar, que tem o seu fundamento na fidelidade irrevogável de Deus. Sob esta luz, a Carta aos Efésios indicou no amor nupcial entre o homem e a mulher «o grande mistério» que torna presente no mundo o amor entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5, 31-32). Eles possuem o carisma (cf. 1 Cor 7, 7) de edificar a Igreja, com o seu amor esponsal e com a tarefa da geração e educação dos filhos. Ligados por um vínculo sacramental indissolúvel, os esposos vivem a beleza do amor, da paternidade, da maternidade e da dignidade de participar deste modo na obra criadora de Deus.
A família nos documentos da Igreja
4. Com o decorrer dos séculos, a Igreja não deixou faltar o seu constante ensinamento sobre matrimónio e família. Uma das expressões mais altas deste Magistério foi proposta pelo Concílio Ecuménico Vaticano II, na Constituição pastoral Gaudium et Spes que dedica um capítulo inteiro à promoção da dignidade do matrimónio e da família (cf. GS 47-52). Ele definiu o matrimónio como comunidade de vida e de amor (cf. GS 48), colocando o amor no centro da família, mostrando, ao mesmo tempo, a verdade deste amor face às diversas formas de reducionismo presentes na cultura contemporânea. O «verdadeiro amor entre marido e esposa» (GS 49) implica a doação recíproca de si, inclui e integra a dimensão sexual e a afectividade, correspondendo ao desígnio divino (cf. GS 48-49). Além disso, a Gaudium et Spes no número 48 frisa a radicação dos esposos em Cristo: Cristo Senhor «vem ao encontro dos cônjuges cristãos no sacramento do matrimónio», e com eles permanece. Na encarnação, Ele assume o amor humano, purifica-o, leva-o à plenitude, e doa aos esposos, com o seu Espírito, a capacidade de o viver, permeando toda a sua vida de fé, esperança e caridade. Deste modo os esposos são como que consagrados e, mediante uma graça própria, edificam o Corpo de Cristo e constituem uma Igreja doméstica (cf. LG 11), de modo que a Igreja, para compreender plenamente o seu mistério, olha para a família cristã, que o manifesta de modo genuíno.
5. Em continuidade com o Concílio Vaticano II, o Magistério pontifício aprofundou a doutrina sobre o matrimónio e sobre a família. Em particular Paulo VI, com a Encíclica Humanae Vitae, evidenciou o vínculo íntimo entre amor conjugal e geração da vida. São João Paulo II dedicou à família uma atenção especial através das suas catequeses sobre o amor humano, da Carta às famílias (Gratissimam Sane) e sobretudo com a Exortação Apostólica Familiaris Consortio. Nestes documentos, o Pontífice definiu a família «caminho da Igreja»; ofereceu uma visão de conjunto sobre a vocação do homem e da mulher para o amor; propôs as linhas fundamentais para a pastoral da família e para a presença da família na sociedade. Em particular, ao tratar a caridade conjugal (cf. FC 13), descreveu o modo como os cônjuges, no seu amor recíproco, recebem o dom do Espírito de Cristo e vivem a sua chamada à santidade.
6. Bento XVI, na Encíclica Deus Caritas Est, retomou o tema da verdade do amor entre homem e mulher, que só se ilumina plenamente à luz do amor de Cristo crucificado (cf. DCE 2). Ele reafirma como: «O matrimónio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano» (DCE 11). Além disso, na Encíclica Caritas in Veritateele evidencia a importância do amor como princípio de vida na sociedade (cf. CV 44), lugar no qual se aprende a experiência do bem comum.
7. O Papa Francisco, na Encíclica Lumen Fidei, ao tratar o vínculo entre a família e a fé, escreve: «o encontro com Cristo, o deixar-se conquistar e guiar pelo seu amor alarga o horizonte da existência, dá-lhe uma esperança firme que não desilude. A fé não é um refúgio para gente sem coragem, mas a dilatação da vida: faz descobrir uma grande chamada – a vocação ao amor – e assegura que este amor é fiável, que vale a pena entregar-se a ele, porque o seu fundamento se encontra na fidelidade de Deus, que é mais forte do que toda a nossa fragilidade» (LF 53).
Capítulo II
Conhecimento e recepção da Sagrada Escritura
e dos documentos da Igreja sobre matrimónio e família
8. A nossa época eclesial caracteriza-se por uma ampla redescoberta da Palavra de Deus na vida da Igreja. A retomada da Sagrada Escritura, em âmbito eclesial, marcou, de maneira diferenciada, a vida das dioceses, das paróquias e das comunidades eclesiais. Contudo, das numerosas respostas e observações recebidas resulta que o conhecimento, a comunicação e a recepção dos ensinamentos da Igreja relativos à família se dão em modalidades bastante diversificadas, segundo as experiências familiares, o tecido eclesial e o contexto sociocultural. Nas zonas onde é viva uma tradição cristã e onde há uma pastoral bem organizada, encontram-se pessoas sensíveis à doutrina cristã sobre o matrimónio e a família. Noutras partes, por diversos motivos, encontram-se muitos cristãos que ignoram a existência destes ensinamentos.
O conhecimento da Bíblia sobre a família
9. Em geral, pode-se dizer que o ensinamento da Bíblia, sobretudo dos Evangelhos e das Cartas paulinas, é hoje mais conhecido. Contudo, da parte de todas as Conferências Episcopais afirma-se que há ainda muito a fazer, para que ele se torne o fundamento da espiritualidade e da vida dos cristãos também em referência à família. Em muitas respostas, observa-se também um grande desejo entre os fiéis de conhecer melhor a Sagrada Escritura.
10. Nesta perspectiva, sobressai como é decisiva a formação do clero e em particular a qualidade das homilias, sobre a qual o Santo Padre Francisco insistiu recentemente (cf. EG 135-144). Com efeito, a homilia é um instrumento privilegiado para apresentar aos fiéis a Sagrada Escritura no seu valor eclesial e existencial. Graças a uma adequada pregação, o povo de Deus é posto em condições de apreciar a beleza da Palavra que atrai e conforta a família. Juntamente com a homilia, reconhece-se como instrumento importante a promoção, no âmbito das dioceses e das paróquias, de cursos que ajudem os fiéis a aproximar-se das Escrituras de modo adequado. Sugere-se não tanto que se multipliquem iniciativas pastorais, mas que se anime biblicamente toda a pastoral familiar. Qualquer circunstância na qual a Igreja é chamada a ocupar-se dos fiéis, no âmbito da família, constitui uma ocasião para que o Evangelho da família seja anunciado, experimentado e apreciado.
Conhecimento dos documentos do Magistério
11. O conhecimento dos documentos conciliares e pós-conciliares do Magistério sobre a família, por parte do povo de Deus, parece ser geralmente escasso. Sem dúvida, há um certo conhecimento deles por parte dos especialistas em âmbito teológico. Contudo, estes textos não parecem permear profundamente a mentalidade dos fiéis. Há também respostas que reconhecem com muita franqueza o facto de que tais documentos, entre os fiéis, não são minimamente conhecidos. Nalgumas respostas, é feito notar que por vezes os documentos são considerados, sobretudo pelos leigos, que não têm preparação prévia, como realidades um pouco «exclusivas». Sente-se uma certa dificuldade em pegar nestes textos e estudá-los. Muitas vezes, se não há alguém preparado, capaz de introduzir à sua leitura, estes documentos parecem difíceis de abordar. Sente-se sobretudo a necessidade de mostrar o carácter existencial das verdades afirmadas nos documentos.
A necessidade de sacerdotes e ministros preparados
12. Algumas observações recebidas atribuíram a responsabilidade da escassa difusão deste conhecimento aos próprios pastores que, segundo o parecer de alguns fiéis, eles mesmos não conhecem em profundidade o argumento matrimónio-família dos documentos, nem parece que tenham os instrumentos para desenvolver esta temática. De algumas observações recebidas, pode-se deduzir como os pastores, por vezes, se sintam inadequados e impreparados para tratar problemáticas que se referem à sexualidade, à fecundidade e à procriação, de modo que, muitas vezes, se prefere não enfrentar estes temas. Nalgumas respostas, encontra-se também uma certa insatisfação em relação a alguns sacerdotes que parecem indiferentes em relação a alguns ensinamentos morais. O seu desacordo com a doutrina da Igreja gera confusão entre o povo de Deus. Por isso, é pedido que os sacerdotes sejam mais preparados e responsáveis ao explicar a Palavra de Deus e ao apresentar os documentos da Igreja relativos ao matrimónio e à família.
Acolhimento diversificado do ensinamento da Igreja
13. Um bom número de Conferências Episcopais observa que, onde é transmitido em profundidade, o ensinamento da Igreja com a sua genuína beleza, humana e cristã, é aceite com entusiasmo por grande parte dos fiéis. Quando se consegue mostrar uma visão global do matrimónio e da família segundo a fé cristã, então apercebemo-nos da sua verdade, bondade e beleza. O ensinamento é aceite em maior medida onde há um caminho real de fé por parte dos fiéis, e não só uma curiosidade momentânea sobre o que a Igreja pensa acerca da moral sexual. Por outro lado, muitas respostas confirmam que, também quando o ensinamento da Igreja sobre matrimónio e família é conhecido, muitos cristãos manifestam dificuldade em aceitá-lo integralmente. Em geral, são mencionados elementos parciais da doutrina cristã, mesmo se relevantes, onde se observa uma resistência, em diversos graus, como por exemplo em relação ao controle dos nascimentos, divórcio e novas núpcias, homossexualidade, convivência, fidelidade, relações pré-matrimoniais, fertilização in vitro, etc. Muitas respostas confirmam como, ao contrário, o ensinamento da Igreja sobre a dignidade e o respeito pela vida humana sejam mais ampla e facilmente aceites, pelo menos em vias de princípio.
14. Justamente, é feito observar que seria necessária uma maior integração entre espiritualidade familiar e moral, que permitiria compreender melhor também o Magistério da Igreja em âmbito de moral familiar. Algumas intervenções constatam a importância de valorizar elementos das culturas locais, que podem ajudar a compreender o valor do Evangelho; é o caso de grande parte da cultura asiática, frequentemente centrada sobre a família. Nestes contextos, algumas Conferências Episcopais afirmam que não é difícil integrar os ensinamentos da Igreja sobre a família com os valores sociais e morais do povo, presentes nestas culturas. Com isto pretende-se chamar também a atenção para a importância da interculturalidade no anúncio do Evangelho da família. Em conclusão, das respostas e observações recebidas, sobressai a necessidade de estimular percursos formativos concretos e possíveis, mediante os quais introduzir nas verdades da fé que dizem respeito à família, sobretudo para poder apreciar o seu profundo valor humano e existencial.
Alguns motivos da dificuldade de recepção
15. Algumas Conferências Episcopais observam que o motivo da resistência aos ensinamentos da Igreja sobre a moral familiar é a falta de uma autêntica experiência cristã, de um encontro pessoal e comunitário com Cristo, que não pode ser substituído por apresentação alguma, mesmo se correcta, de uma doutrina. Neste contexto, lamenta-se a insuficiência de uma pastoral que se preocupa unicamente em administrar os sacramentos, sem que a isto corresponda uma verdadeira experiência cristã cativante. Além disso, a maioria das respostas frisa o crescente contraste entre os valores propostos pela Igreja sobre matrimónio e família e a situação social e cultural diversificada em todo o planeta. Releva-se unanimidade nas respostas também em relação aos motivos de fundo das dificuldades na aceitação do ensinamento da Igreja: as novas tecnologias difusivas e invasivas; a influência dos mass media; a cultura hedonista; o relativismo; o materialismo; o individualismo; o crescente secularismo; a prevalência de concepções que levaram a uma excessiva liberalização dos costumes em sentido egoísta; a fragilidade das relações interpessoais; uma cultura que rejeita escolhas definitivas, condicionada pela precariedade, pelo provisório, típica de uma «sociedade líquida», do «usa e deita fora», do «tudo e já»; valores apoiados pela chamada «cultura do descarte» e do «provisório», como recorda frequentemente o Papa Francisco.
16. Há quem recorde os obstáculos devidos ao prolongado domínio de ideologias ateias em muitos países, que criaram uma atitude de desconfiança em relação ao ensinamento religioso em geral. Depois, outras respostas referem acerca das dificuldades que a Igreja encontra no confronto com as culturas tribais e com as tradições ancestrais, nas quais o matrimónio tem características bastante diferentes em relação à visão cristã, como por exemplo ao apoiar a poligamia ou outras visões que contrastam com a ideia de matrimónio indissolúvel e monogâmico. Os cristãos que vivem nestes contextos certamente precisam de ser muito apoiados pela Igreja e pelas comunidades cristãs.
Promover um melhor conhecimento do Magistério
17. Muitas respostas focalizaram o tema da necessidade de encontrar novas formas de transmissão dos ensinamentos da Igreja sobre matrimónio e família. Muito depende da maturidade da Igreja particular, da sua tradição a este propósito e dos efectivos recursos disponíveis no território. Sobretudo, reconhece-se a necessidade de formar agentes pastorais capazes de transmitir a mensagem cristã de modo culturalmente adequado. Contudo, quase todas as respostas afirmam que, a nível nacional, existem uma Comissão para a Pastoral da Família e o Directório da Pastoral Familiar. Geralmente, as Conferências Episcopais propõem o ensinamento da Igreja através de documentos, simpósios e de uma animação minuciosa; assim como, a nível diocesano, se age através de vários organismos e comissões. Certamente não faltam também respostas que revelam uma situação pesada para a organização eclesial, na qual faltam recursos económicos e humanos, para poder organizar de maneira continuada uma catequese sobre a família.
18. Muitos recordam que é decisivo estabelecer relações com os centros académicos adequados e preparados sobre temáticas familiares, a nível doutrinal, espiritual e pastoral. Algumas respostas, referem ligações proveitosas a nível internacional entre centros universitários e dioceses, também em zonas periféricas da Igreja, para promover momentos formativos qualificados sobre matrimónio e família. Um exemplo, várias vezes citado nas respostas, é a colaboração com o Pontifício Instituto João Paulo II para os estudos sobre matrimónio e família de Roma, com diversas sedes em todo o mundo. A este respeito, várias Conferências Episcopais recordam a importância de desenvolver as intuições de São João Paulo II sobre a teologia do corpo, nas quais se propõe uma abordagem fecunda às temáticas da família, com sensibilidade existencial e antropológica, aberta às novas instâncias emergentes no nosso tempo.
19. Por fim, é frisado por muitos que a catequese sobre matrimónio e família não se deva limitar hoje apenas à preparação do casal para o matrimónio; é necessária uma dinâmica de acompanhamento de carácter experiencial que, através de testemunhas, mostre a beleza de quanto nos transmitem sobre a família o Evangelho e os documentos do Magistério da Igreja. Muito antes que se apresentem para o matrimónio, os jovens precisam de ser ajudados a conhecer quanto ensina a Igreja e por que o ensina. Muitas respostas realçam o papel dos pais na catequese específica sobre a família. Eles desempenham um papel insubstituível na formação cristã dos filhos em relação ao Evangelho da família. Esta tarefa exige uma compreensão profunda da sua vocação à luz da doutrina da Igreja. O seu testemunho é já uma catequese viva, não só na Igreja, mas também na sociedade.
Capítulo III
Evangelho da família e lei natural
O nexo entre Evangelho da família e lei natural
20. No contexto do acolhimento do ensinamento da Igreja sobre matrimónio e família é necessário ter presente o tema da lei natural. Neste ponto considera-se o facto de que os documentos magisteriais mencionam com frequência este vocabulário, que hoje apresenta dificuldades. A perplexidade, que hoje se constata em ampla escala em relação ao conceito de lei natural, tende a chamar em causa de modo problemático alguns elementos da doutrina cristã sobre o tema. Na realidade, o que subjaz à relação entre Evangelho da família e lei natural não é tanto a defesa de um conceito filosófico abstracto, quanto a necessária relação que o Evangelho estabelece com o humano em todas as suas declinações históricas e culturais. «A lei natural responde, assim, à exigência de fundamentar na razão os direitos do homem e torna possível um diálogo intercultural e inter-religioso» (CTI, Em busca de uma ética universal: novo olhar sobre a lei natural, 35).
Problemática da lei natural hoje
21. À luz de quanto a Igreja afirmou ao longo dos séculos, examinando a relação entre Evangelho da família e a experiência comum de cada pessoa, é possível considerar as numerosas problemáticas evidenciadas nas respostas ao questionário em relação ao tema da lei natural. Para a maior parte das respostas e das observações, o conceito de «lei natural» resulta ser como tal, nos diversos contextos culturais de hoje, bastante problemático, ou até incompreensível. Trata-se de uma expressão que é entendida de modo diferenciado ou simplesmente não compreendida. Numerosas Conferências Episcopais, em contextos extremamente diversos, afirmam que, mesmo se a dimensão esponsal da relação entre homem e mulher é geralmente aceite como realidade vivida, isto não é interpretado em conformidade com uma lei universalmente dada. Só um número muito limitado de respostas e observações evidenciou uma adequada compreensão desta lei a nível popular.
22. As respostas e observações manifestam também que o adjectivo «natural» por vezes tende a ser compreendido segundo o matiz subjectivo de «espontâneo». As pessoas são orientadas para valorizar o sentimento e a emotividade; dimensões que se apresentam como «autênticas» e «originais» e, por conseguinte, que «naturalmente» se devem seguir. As visões antropológicas subjacentes recordam, por um lado, a autonomia da liberdade humana, não necessariamente vinculada a uma ordem objectiva natural, e, por outro, a aspiração do ser humano à felicidade, entendida como realização dos próprios desejos. Por conseguinte, a lei natural é compreendida como herança superada. Hoje, não só no Ocidente, mas progressivamente em todas as partes da terra, a investigação científica representa um sério desafio ao conceito de natureza. A evolução, a biologia e as neurociências, confrontando-se com a ideia tradicional de lei natural, chegam a concluir que ela não deve ser considerada «científica».
23. Também a noção de «direitos humanos» é geralmente vista como uma chamada à autodeterminação do sujeito, já não ancorada na ideia de lei natural. A este propósito, muitos observam que os sistemas legislativos de numerosos países se encontram a ter que regulamentar situações contrárias ao ditado tradicional da lei natural (por exemplo, a fertilização in vitro, as uniões homossexuais, a manipulação de embriões humanos, o aborto, etc.). Neste contexto, encontra-se a crescente difusão da ideologia chamada gender theory, segundo a qual o gender de cada indivíduo resulta ser apenas o produto de condicionamentos e necessidades sociais, deixando, deste modo, de ter plena correspondência com a sexualidade biológica.
24. Além disso, é feito notar em grande medida como o que é estabelecido pela lei civil - baseado no positivismo jurídico, cada vez mais dominante - se torne, na mentalidade comum, também moralmente aceitável. O que é «natural» tende a ser definido tal só pelo indivíduo e pela sociedade, que se tornaram os únicos juízes para as escolhas éticas. A relativização do conceito de «natureza» reflecte-se também sobre o conceito de «duração» estável em relação à união esponsal. Hoje, um amor é considerado «para sempre» só em relação a quanto ele possa efectivamente durar.
25. Se, por um lado, se assiste a uma perda de significado da «lei natural», por outro, como afirmado por várias Conferências Episcopais da África, da Oceânia e da Ásia oriental, nalgumas regiões a poligamia é considerada «natural», tal como é considerado «natural» repudiar a esposa que não seja capaz de dar filhos - e, entre eles, filhos varões - ao marido. Por outras palavras, sobressai que sob o ponto de vista da cultura difundida a lei natural já não deve ser considerada universal, a partir do momento que já não existe um sistema de referência comum.
26. Das respostas emerge a convicção generalizada do facto que a distinção dos sexos possui um fundamento natural no âmbito da existência humana. Por conseguinte, existe uma força da tradição, da cultura e da intuição, o desejo de manter a união entre o homem e a mulher. Portanto, a lei natural é universalmente aceite «de facto» pelos fiéis, mesmo sem a necessidade de ser teoricamente justificada. Já que a não consideração do conceito de lei natural tende a dissolver o vínculo entre amor, sexualidade e fertilidade, entendidos como essência do matrimónio, muitos aspectos da moral sexual da Igreja hoje não são compreendidos. Radica-se sobre isto uma certa crítica à lei natural também da parte de alguns teólogos.
Contestação prática da lei natural sobre a união entre homem e mulher
27. Considerando o escasso uso hodierno da referência à lei natural por parte de muitas realidades académicas, as maiores contestações provêm da prática maciça do divórcio, da convivência, da contracepção, dos procedimentos artificiais de procriação, das uniões homossexuais. Entre as populações mais pobres e menos influenciadas pelo pensamento do Ocidente - aqui é feita referência de modo especial a alguns Estados africanos -, foram evidenciados outros tipos de contestação desta lei, como o fenómeno do machismo, da poligamia, dos matrimónios entre adolescentes e pré-adolescentes, do divórcio em caso de esterilidade ou, contudo, de falta de descendência masculina, mas também do incesto e outras práticas aberrantes.
28. Em quase todas as respostas, incluídas as observações, regista-se o número crescente de casos de famílias «alargadas», sobretudo devido à presença de filhos tidos de diversos partners. Na sociedade ocidental, já são numerosos também os casos nos quais os filhos, além dos pais separados ou divorciados, recasados ou não, se encontram também com avós na mesma situação. E ainda, sobretudo na Europa e na América do Norte (mas também entre os Estados da Ásia oriental), existem casos em evidente aumento de uniões matrimoniais não abertas à vida, assim como de indivíduos que orientam a sua vida como singles. Também as famílias monoparentais estão em evidente aumento. Nos mesmos Continentes assiste-se ainda a uma vertiginosa aumento da idade matrimonial. Muitas vezes, sobretudo nos estados da Europa do Norte e da América setentrional, os filhos são considerados como um obstáculo para o bem-estar da pessoa e do casal.
29. É digna de menção a vontade de reconhecer a nível civil, sobretudo em algumas zonas da Ásia, uniões chamadas «multipessoais» entre indivíduos de orientações e identidades sexuais diversas, baseadas só nas próprias necessidades e nas exigências individuais e subjectivas. Em síntese, tende-se a acentuar o direito à liberdade individual sem obrigações: as pessoas «constroem-se» só com base nos próprios desejos individuais. Aquilo que se julga que se torna cada vez mais «natural» é sobretudo a auto-referencialidade da gestão dos próprios desejos e aspirações. Para isto contribui em grande medida a influência insistente dos mass media e do estilo de vida exibido por certas personagens do desporto e do espectáculo; aspectos que exercem a sua influência também nos países nos quais a cultura familiar tradicional parece ter resistido mais (África, Médio Oriente e Ásia centro-meridional).
Desejável renovação da linguagem
30. A exigência implícita ao uso tradicional da expressão «lei natural» estimula a melhorar a linguagem e o quadro conceitual de referência, de modo a comunicar os valores do Evangelho de forma compreensível ao homem de hoje. Em particular, da grande maioria das respostas e, ainda mais, das observações, emerge a necessidade de dar uma ênfase decididamente maior ao papel da Palavra de Deus como instrumento privilegiado na concepção da vida conjugal e familiar. É recomendada uma referência maior ao mundo bíblico, às suas linguagens e formas narrativas. Neste sentido, é digna de relevo a proposta de situar e aprofundar o conceito, de inspiração bíblica, de «ordem da criação», como possibilidade de reler de modo existencialmente mais significativo a «lei natural» (cf. a ideia de lei inscrita no coração em Rm 1, 19-21 e 2, 14-15). É proposto que se insista também em linguagens acessíveis, como por exemplo a simbólica utilizada pela liturgia. É recomendada ainda a atenção ao mundo juvenil o qual deve ser assumido como interlocutor directo, também sobre estes temas.
Capítulo IV
A família e a vocação da pessoa em Cristo
A família, a pessoa e a sociedade
31. A família é reconhecida no povo de Deus como um bem inestimável, o ambiente natural de crescimento da vida, uma escola de humanidade, de amor e de esperança para a sociedade. Ela continua a ser um espaço privilegiado no qual Cristo revela o mistério e a vocação do homem. Ao lado da afirmação partilhada deste dado originário, a grande maioria das respostas afirma que a família pode ser este lugar privilegiado, deixando entender, e por vezes explicitamente constatando, uma distância preocupante entre a família nas formas em que hoje é conhecida e o ensinamento da Igreja a este propósito. A família encontra-se objectivamente num momento muito difícil, com realidades, histórias e sofrimentos complexos, que necessitam de um olhar compassivo e compreensivo. É este olhar que permite que a Igreja acompanhe as famílias como são na realidade e a partir daqui anunciar o Evangelho da família segundo as suas necessidades específicas.
32. Reconhece-se nas respostas como durante muitos séculos a família tenha desempenhado um papel significativo no âmbito da sociedade: de facto, ela é o primeiro lugar onde a pessoa se forma na sociedade e para a sociedade. Reconhecida como o lugar natural para o desenvolvimento da pessoa, é por isto também o fundamento de qualquer sociedade e Estado. Em síntese, ela é definida a «primeira sociedade humana». A família é o lugar onde se transmitem e se podem aprender desde os primeiros anos de vida valores como fraternidade, lealdade, amor à verdade e ao trabalho, respeito e solidariedade entre as gerações, assim como a arte da comunicação e da alegria. Ela é o espaço privilegiado para viver e promover a dignidade e os direitos do homem e da mulher. A família, fundada no matrimónio, representa o âmbito de formação integral dos futuros cidadãos de um país.
33. Um dos grandes desafios da família contemporânea consiste na tentativa da sua privatização. Há o risco de esquecer que a família é a «célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros» (EG 66). É necessário propor uma visão aberta da família, fonte de capital social, o que significa, de virtudes essenciais para a vida comum. Na família aprende-se o que é o bem comum, porque nela se pode fazer a experiência da bondade de viver juntos. Sem família o homem não pode sair do seu individualismo, pois só nela se aprende a força do amor para apoiar a vida, e «sem um amor fiável, nada poderia manter verdadeiramente unidos os homens: a unidade entre eles seria concebível apenas enquanto fundada sobre a utilidade, a conjugação dos interesses, o medo, mas não sobre a beleza de viverem juntos, nem sobre a alegria que a simples presença do outro pode gerar» (LF 51).
34. Será necessário reflectir sobre o que significa hoje promover uma pastoral capaz de estimular a participação da família na sociedade. As famílias não são só objecto de protecção por parte do Estado, mas devem recuperar o seu papel como sujeitos sociais. Neste contexto surgem muitos desafios para as famílias: a relação entre a família e o mundo do trabalho, entre a família e a educação, entre a família e a saúde; a capacidade de unir entre si as gerações, de modo que não se abandonem os jovens nem os idosos; o desenvolvimento de um direito de família que tenha em consideração as suas relações específicas; a promoção de leis justas, como as que garantem a defesa da vida humana desde a sua concepção e as que promovem a bondade social do matrimónio autêntico entre o homem e a mulher.
À imagem da vida trinitária
35. Um certo número de respostas frisa a imagem da Trindade reflectida na família. A experiência do amor recíproco entre os esposos ajuda a compreender a vida trinitária como amor: através da comunhão vivida em família as crianças podem divisar uma imagem da Trindade. Recentemente, o Santo Padre Francisco recordou nas suas catequeses sobre os sacramentos que «quando um homem e uma mulher celebram o sacramento do Matrimónio, Deus, por assim dizer, “espelha-se” neles, imprime neles os seus lineamentos e o carácter indelével do seu amor. O matrimónio é o ícone do amor de Deus por nós. Com efeito, também Deus é comunhão: as três Pessoas do Pai, Filho e Espírito Santo vivem desde sempre e para sempre em unidade perfeita. É precisamente nisto que consiste o mistério do Matrimónio: dos dois esposos Deus faz uma só existência» (Audiência geral de 2 de Abril de 2014).
A Sagrada Família de Nazaré e a educação para o amor
36. De maneira quase constante, as respostas frisam a importância da família de Nazaré como modelo e exemplo para a família cristã. O mistério da Encarnação do Verbo no seio de uma família revela-nos que ela é um lugar privilegiado para a revelação de Deus ao homem. Com efeito, reconhece-se como precisamente a família é o lugar normal e quotidiano do encontro com Cristo. O povo cristão olha para a família de Nazaré como exemplo de relação de amor, como ponto de referência para cada realidade familiar e como conforto na tribulação. A Igreja dirige-se à família de Nazaré para confiar as famílias na sua realidade concreta de alegria, de esperança e de sofrimento.
37. As respostas recebidas evidenciam a importância do amor vivido em família, definida «sinal eficaz da existência do Amor de Deus», «santuário do amor e da vida». A primeira experiência de amor e de relação é feita em família: é frisada a necessidade de que cada criança viva no calor e nas atenções protectoras dos pais, numa casa na qual reina a paz. As crianças devem poder sentir que Jesus está com elas e que nunca estão sozinhas. A solidão das crianças, devida à debilidade dos vínculos familiares está presente sobretudo nalgumas áreas geográficas. Também as correcções devem orientar-se para fazer com que as crianças possam crescer num ambiente familiar no qual se vive o amor, e os pais realizem a sua vocação de serem colaboradores de Deus no desenvolvimento da família humana.
38. É frisado com insistência o valor formativo do amor vivido em família, não só para os filhos, mas para todos os seus membros. A família é definida «escola de amor», «escola de comunhão», uma «ginásio de relações», o lugar privilegiado no qual se aprende a construir relações significativas, que ajudem o desenvolvimento da pessoa até à capacidade da doação de si. Algumas respostas frisam que o conhecimento do mistério e da vocação da pessoa humana está ligado com o reconhecimento e o acolhimento no seio da família dos diferentes dons e capacidades de cada um. Sobressai aqui a ideia da família como «primeira escola de humanidade»: nisto ela é considerada insubstituível.
Diferença, reciprocidade e estilo de vida familiar
39. O papel dos pais, primeiros educadores na fé, é considerado essencial e vital. Com frequência se evidencia o testemunho da sua fidelidade e, em particular, da beleza da sua diferença; por vezes afirma-se simplesmente a importância dos papéis distintos de pai e mãe. Noutros casos, é ressaltada a positividade da liberdade, da igualdade entre os cônjuges e da sua reciprocidade, assim como a necessidade do envolvimento de ambos os pais tanto na educação dos filhos como nos trabalhos domésticos, como é afirmado nalgumas respostas, sobretudo naquelas da Europa.
40. Em relação ainda à diferença, por vezes é frisada a riqueza da diferença intergeracional que se pode experimentar em família, em cujo âmbito se vivem eventos decisivos como o nascimento e a morte, os sucessos e as desventuras, a metas alcançadas e as desilusões. Através destes e de outros eventos, a família torna-se o lugar no qual os filhos crescem no respeito da vida, na formação da sua personalidade, atravessando todas as fases da existência.
41. É evidenciada com insistência nas respostas a importância que a fé seja compartilhada e tornada explícita por parte dos pais, começando pelo estilo de vida do casal na relação entre si e com os filhos, mas também através da partilha do seu conhecimento e consciência de Cristo, o qual - como é recordado constantemente - deve estar no centro da família. No contexto de uma sociedade plural os pais podem assim oferecer aos filhos uma orientação básica para a sua vida, que os possa apoiar também depois da infância. Por isto são afirmadas a necessidade de criar um espaço e um tempo para estar juntos em família e a necessidade de uma comunicação aberta e sincera, num diálogo constante.
42. É unanimemente frisada a importância da oração em família, como igreja doméstica (cf. LG 11), a fim de alimentar uma verdadeira «cultura familiar de oração». Com efeito, o conhecimento autêntico de Jesus Cristo é promovido em família pela oração pessoal e, em particular, familiar, segundo as formas específicas e as práticas domésticas, consideradas uma forma eficaz para transmitir a fé às crianças. É feita grande insistência também sobre a leitura comum da Escritura, assim como sobre outras formas de oração, como a bênção da mesa e a recitação do rosário. É contudo explicitado que a família igreja doméstica não pode substituir a comunidade paroquial; além disso, frisa-se a importância da participação familiar na vida sacramental, na Eucaristia dominical e nos sacramentos da iniciação cristã. Em várias respostas, é sublinhada também a importância de viver o sacramento da reconciliação e a devoção mariana.
Família e desenvolvimento integral
43. Além disso, é realçada a importância da família para um desenvolvimento integral: a família resulta ser fundamental para a maturação daqueles processos afectivos e cognitivos que são decisivos para a estruturação da pessoa. Por ser ambiente vital no qual a pessoa se forma, a família é também fonte na qual adquirir a consciência de ser filhos de Deus, chamados por vocação ao amor. Outros lugares contribuem para o crescimento da pessoa, como a convivência social, o mundo do trabalho, a política, a vida eclesial; contudo, reconhece-se como os fundamentos humanos adquiridos em família permitam aceder a ulteriores níveis de socialização e estruturação.
44. A família confronta-se quotidianamente com muitas dificuldades e provas, como indicam muitas respostas. Ser uma família cristã não garante automaticamente a imunidade de crises até profundas, através das quais contudo a família se consolida, chegando assim a reconhecer a própria vocação originária no desígnio de Deus, com o apoio da acção pastoral. A família é uma realidade já «dada» e garantida por Cristo, e deve ser «construída» todos os dias ao mesmo tempo com paciência, compreensão e amor.
Acompanhar o novo desejo de família e as crises
45. Um dado importante que sobressai das respostas é que também face a situações bastante difíceis, muitas pessoas, sobretudo jovens, sentem o valor do vínculo estável e duradouro, um verdadeiro desejo de matrimónio e família, no qual realizar um amor fiel e indissolúvel, que ofereça serenidade para o crescimento humano e espiritual. O «desejo de família» revela-se como um verdadeiro sinal dos tempos, que pede para ser aproveitado como ocasião pastoral.
46. É necessário que a Igreja se ocupe das famílias que vivem situações de crise e de stress; que a família seja acompanhada durante todo o ciclo da vida. A qualidade das relações no âmbito da família deve ser uma das preocupações cruciais da Igreja. O primeiro apoio vem de uma paróquia vivida como «família de famílias», identificada como o centro principal de uma pastoral renovada, feita de acolhimento e de acompanhamento, vivido na misericórdia e na ternura. Indica-se a importância de organizações paroquiais de apoio à família.
47. Além disso, nalguns casos é urgente a necessidade de acompanhar situações nas quais os vínculos familiares estão ameaçados pela violência doméstica, com intervenções de apoio capazes de curar as feridas infligidas, e desenraizar as causas que as determinaram. Onde dominam abuso, violência e abandono não pode haver nem crescimento nem percepção alguma do próprio valor.
48. Por fim, evidencia-se a importância de uma estreita colaboração entre as famílias/casas e a paróquia, na missão de evangelizar, assim como a necessidade do envolvimento activo da família na vida paroquial, através de actividades de subsidiariedade e solidariedade a favor de outras famílias. A este respeito, menciona-se a ajuda preciosa de comunidades compostas por famílias. Também a pertença a movimentos e associações pode ser particularmente significativa do ponto de vista do apoio.
Uma formação constante
49. É frisada com muita frequência a necessidade de uma pastoral familiar que tenha como objectivo uma formação constante e sistemática acerca do valor do matrimónio como vocação, da redescoberta da genitorialidade (paternidade e maternidade) como dom. O acompanhamento do casal não se deve limitar à preparação para o matrimónio, em relação à qual se aponta - aliás - a necessidade de rever os percursos. Evidencia-se sobretudo a necessidade de uma formação mais constante e minuciosa: bíblica, teológica, espiritual, mas também humana e existencial. Faz-se presente a necessidade de que a catequese assuma uma dimensão intergeracional, que envolva activamente os pais no percurso de iniciação cristã dos próprios filhos. Nalgumas respostas é indicada uma particular atenção às festas litúrgicas, como o tempo de Natal e sobretudo a festa da Sagrada Família, como momentos preciosos para mostrar a importância da família e apreender o contexto humano no qual Jesus cresceu, no qual aprendeu a falar, amar, rezar e trabalhar. Recomenda-se a necessidade de salvaguardar, também sob o ponto de vista civil, onde for possível, o domingo como dia do Senhor; como dia no qual favorecer o encontro na família e com as outras famílias.

II PARTE
A PASTORAL DA FAMÍLIA
FACE AOS NOVOS DESAFIOS
Capítulo I
A pastoral da família: as várias propostas em acção
Responsabilidade dos Pastores e dons carismáticos na pastoral familiar
50. No compromisso pastoral pela família vê-se em acção uma interessante reciprocidade entre a responsabilidade dos pastores e os diversos carismas e ministérios na comunidade eclesial. As experiências mais positivas verificam-se precisamente quando se dá esta sinergia. Contemplando o compromisso de tantos irmãos e irmãs pela pastoral da família, podem-se imaginar formas novas de presença efectiva da Igreja, que tem a coragem de «sair» de si porque animada pelo Espírito. Para representar esta riqueza concentremo-nos em alguns temas e passemos em resenha as diversas iniciativas e os estilos de que encontramos amplas indicações nas respostas recebidas.
A preparação para o matrimónio
51. Há respostas muito semelhantes entre os diversos Continentes a propósito da preparação para o matrimónio. Encontramos com frequência cursos a decorrer nas paróquias, seminários e retiros de oração para casais, que envolvem como animadores, além dos sacerdotes, também casais com experiência familiar consolidada. Nestes cursos, os objectivos são: a promoção da relação do casal, com a consciência e a liberdade da escolha; o conhecimento dos compromissos humanos, civis e cristãos; a retomada da catequese da iniciação, com o aprofundamento do sacramento do matrimónio; o encorajamento a que o casal participe na vida comunitária e social.
52. Algumas respostas fazem notar a pouca atenção dos nubentes, em muitos casos, aos cursos pré-matrimoniais. Por isto, em muitos contextos tende-se a promover catequeses diferenciadas: para os jovens até antes do noivado; para os pais dos noivos; para as pessoas já casadas; para as pessoas separadas; para a preparação para o baptismo; para o conhecimento dos documentos pastorais dos Bispos e do Magistério da Igreja. Nalguns países são indicadas verdadeiras escolas de preparação para a vida matrimonial, que visam sobretudo a instrução e promoção da mulher. O discurso diferencia-se em particular nas zonas onde há uma grande secularização, onde se constata uma crescente distância cultural dos casais em relação ao ensinamento da Igreja. Os cursos particularmente prolongados nem sempre são bem acolhidos. Nos cursos pré-matrimoniais, normalmente, propõe-se aos nubentes o conhecimento dos métodos naturais de regulação da fertilidade. Esta proposta é oferecida pelo testemunho de «casais-guia».
53. Algumas Conferências Episcopais lamentam que os noivos se apresentam muitas vezes no último momento, tendo já estabelecido a data do matrimónio, mesmo quando o casal apresenta aspectos que necessitariam de particular cura, como no caso da disparidade de culto (entre um baptizado e um não-baptizado) ou de uma escassa formação cristã. Outras Conferências recordam como os itinerários para a preparação para o sacramento do matrimónio tenham melhorado nos últimos decénios, procurando transformar cada vez mais os «cursos» em «percursos», envolvendo sacerdotes e esposos. Releva-se que nestes últimos anos os conteúdos dos programas sofreram uma mudança consistente: de um serviço orientado unicamente para o sacramento, passou-se a um primeiro anúncio da fé.
54. Em muitas partes do mundo há louváveis iniciativas de preparação para o matrimónio: «novas comunidades» que promovem retiros, encontros pessoais, grupos de oração, reflexão e partilha, peregrinações, «domingos da Palavra», festivais, congressos nacionais e internacionais da família. Observa-se contudo que estes percursos, muitas vezes, são sentidos mais como uma proposta obrigatória do que como uma possibilidade de crescimento à qual aderir livremente. Outro momento importante é certamente o diálogo de preparação para o matrimónio com o pároco ou com o seu encarregado; trata-se de um momento necessário para todos os noivos; muitas vezes as respostas lamentam que não é suficientemente usado como uma oportunidade para um confronto mais aprofundado, permanecendo ao contrário num contexto mais formal.
55. Muitas respostas contam que nos cursos propostos se procura introduzir novos temas como a capacidade de ouvir o cônjuge, a vida sexual conjugal, a solução dos conflitos. Nalguns contextos, marcados por tradições culturais bastante machistas, faz-se notar a falta de respeito em relação à mulher, que origina uma prática da conjugalidade não conforme com a reciprocidade entre sujeitos de igual dignidade. De algumas zonas marcadas no passado por ditaduras ateias, com frequência faltam os conhecimentos básicos sobre a fé, são indicadas novas formas de preparação dos noivos, como os retiros nos fins-de-semana, actividades em pequenos grupos integradas com testemunhos de casais. Indicam-se também jornadas diocesanas para a família, via-sacra e exercícios espirituais para as famílias.
56. Algumas respostas indicam que nalguns territórios, de prevalência multirreligiosa e multiconfessional, é necessário ter presente alguns aspectos particulares, como o número considerável de matrimónios mistos e de disparidade de culto. Isto torna necessária uma adequada preparação por parte dos sacerdotes para acompanhar estes casais. Nas dioceses da Europa oriental, procura-se o diálogo com as Igrejas ortodoxas, por ocasião da preparação para os matrimónios mistos. Há testemunhos interessantes que ilustram as jornadas diocesanos com a presença do Bispo e o testemunho de casais maduros na fé. Tende-se a criar ocasiões de relações entre famílias, em diálogo com os casais idosos, valorizando iniciativas de cultura bíblica e momentos de oração para os nubentes. Os casais mais maduros servem de «padrinhos» dos casais jovens, que se preparam para o matrimónio.
Piedade popular e espiritualidade familiar
57. Das respostas recebidas deduz-se a necessidade de salvaguardar e promover as diversas formas da piedade popular difundidas nos vários Continentes, em apoio da família. Não obstante uma certa desagregação familiar, permanecem ainda significativas a devoção mariana, as festas populares, as dos santos do lugar, como momentos agregativos da família. Além da recitação do rosário, nalgumas realidades é costume recitar o Angelus; mantém um certo valor a peregrinatio Mariae, a passagem de um ícone ou de uma imagem de Nossa Senhora de uma família para outra, de uma casa para outra. Recorda-se ainda o valor da «peregrinação do evangelho», que consiste na colocação de um ícone e da Sagrada Escritura nas famílias, com o compromisso de ler regularmente a Bíblia e rezar juntos durante um determinado período. Constata-se que entre as famílias que cultivam estas formas de piedade, como a «peregrinação das famílias», incrementam-se fortes relações de amizade e de comunhão. Muitos indicam também a importância de promover a comum liturgia das horas, a leitura dos Salmos e dos outros textos da Sagrada Escritura. Por vezes recomenda-se também a oração espontânea com palavras próprias, de agradecimento e de pedido de perdão. Nalgumas nações evidencia-se a oração pelas diversas circunstâncias da vida: por ocasião do aniversário do baptismo, do matrimónio e da morte. Há quem indique que muitas vezes a oração familiar se pratica nas viagens, no trabalho e na escola; em certos países, utilizando até rádio e televisão. É indicada também a contribuição benéfica que as famílias recebem da proximidade dos mosteiros, mediante os quais se estabelece uma relação de complementaridade vocacional entre matrimónio e vida consagrada. Fala-se de maneira análoga também no respeitante à relação fecunda entre esposos e presbíteros, nas suas respectivas funções.
O apoio à espiritualidade familiar
58. Muitas Conferências Episcopais testemunharam como as Igrejas particulares, com a sua acção pastoral, apoiam a espiritualidade da família. Dos movimentos de espiritualidade provém uma contribuição específica à promoção de uma pastoral familiar autêntica e eficaz no nosso tempo. Encontram-se situações eclesiais muito diversas e caminhos diferenciados das comunidades cristãs. O que parece evidente é o facto de que as Igrejas locais devam poder encontrar nesta realidade verdadeiros recursos não só para promover algumas iniciativas esporádicas para os casais, mas para imaginar percursos de pastoral familiar adequados para o nosso tempo. Algumas intervenções frisaram como, em muitas dioceses, se consiga promover uma animação específica, uma formação de casais capazes de apoiar outros casais e uma série de iniciativas destinadas a promover uma verdadeira espiritualidade familiar. Alguns observam que por vezes as comunidades locais, os movimentos, os grupos e as agregações religiosas podem correr o risco de permanecer aprisionados em dinâmicas paroquiais ou agregativas demasiado auto-referenciais. Por isso, é importante que tais realidades vivam todo o horizonte eclesial em chave missionária, de modo a evitar o perigo da auto-referência. As famílias pertencentes a estas comunidades desempenham um apostolado vivo e têm evangelizado muitas outras famílias; os seus membros ofereceram um testemunho credível da vida matrimonial fiel, de estima recíproca e de unidade, de abertura à vida.
O testemunho da beleza da família
59. Um ponto-chave para a promoção de uma pastoral familiar autêntica e incisiva parece ser ultimamente o testemunho do casal. Este elemento foi recordado por todas as respostas. O testemunho é essencial, não só de coerência com os princípios da família cristã, mas também da beleza e da alegria que proporciona o acolhimento do anúncio evangélico no matrimónio e na vida familiar. Também na pastoral familiar se sente a necessidade de percorrer a via pulchritudinis, ou seja, o caminho do testemunho cheio de encanto da família vivido à luz do Evangelho e em união constante com Deus. Trata-se de mostrar também na vida familiar que «crer n’Ele e segui-lo não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida dum novo esplendor e duma alegria profunda, mesmo no meio das provações» (EG 167).
60. Algumas Conferências Episcopais fazem notar que, mesmo se em muitas áreas geográficas o bom êxito do matrimónio e da família já não é dado por certo, observa-se, contudo, que nos jovens há uma elevada estima pelos cônjuges que, até depois de muitos anos de matrimónio, ainda vivem uma escolha de vida que se distingue pelo amor e pela fidelidade. Também por isto, celebram-se em muitas dioceses, na presença dos bispos, jubileus e festas de agradecimento pelos cônjuges casados há anos. Nesta mesma direcção, se reconhece o testemunho especial dado por aqueles cônjuges que permanecem ao lado do próprio consorte não obstante problemas e dificuldades.
Capítulo II
Os desafios pastorais da família
61. Nesta secção, estão recolhidas as respostas e as observações acerca dos desafios pastorais da família, que se estruturam em três questões fundamentais: a crise da fé na sua relação com a família; os desafios internos e os desafios externos, que dizem respeito à realidade familiar; algumas situações difíceis, relacionadas com uma cultura do individualismo e com a desconfiança nas relações estáveis.
a) A crise da fé e a vida familiar
A acção pastoral na crise de fé
62. Algumas respostas relevam que, nas situações nas quais a fé é débil ou ausente nas realidades familiares, a paróquia e a Igreja no seu conjunto não são sentidas como um apoio. Isto provavelmente acontece devido a uma percepção errada e moralista da vida eclesial, devida ao contexto sociocultural no qual vivemos, onde está em crise a própria instituição familiar como tal. O ideal de família é entendido como uma meta inatingível e frustrante, em vez de ser compreendido como indicação de um caminho possível, através do qual aprender a viver a própria vocação e missão. Quando os fiéis sentem este desamor, a crise no casal, no matrimónio ou na família muitas vezes e gradualmente transforma-se numa crise de fé. Fazemos portanto a pergunta sobre o modo pastoral de agir nestes casos: como fazer com que a Igreja, nas suas diversas articulações pastorais, se mostre capaz de se ocupar dos casais em dificuldade e da família.
63. Muitas respostas observam como uma crise de fé possa ser a ocasião para constatar a falência ou uma oportunidade para se renovar, descobrindo razões mais profundas em confirmação da união conjugal. Deste modo a perda de valores, e até a desagregação da família, podem transformar-se numa ocasião de fortalecimento do vínculo conjugal. Para superar a crise pode servir de ajuda o apoio de outras famílias dispostas a acompanhar o caminho difícil do casal em crise. Em particular, frisa-se a necessidade de que a paróquia se torne próxima como uma família de famílias.
b) Situações críticas internas à família
Dificuldades de relação / comunicação
64. Há grande convergência da parte das respostas em frisar a dificuldade de relação e comunicação em família como um dos nós críticos relevantes. São evidenciadas a insuficiência e até a incapacidade de construir relações familiares devido ao sobrevir de tensões e conflitos entre os cônjuges, causados pela falta de confiança recíproca e de intimidade, ao domínio de um cônjuge sobre o outro, mas também pelos conflitos geracionais entre pais e filhos. O drama relevado nestas situações é o progressivo desaparecimento da possibilidade de diálogo, de tempos e espaços de relação: a falta de partilha e de comunicação faz com que cada um enfrente as próprias dificuldades na solidão, sem qualquer experiência de ser amado e, por sua vez, de amar. Depois, nalguns contextos sociais a falta de experiência de amor, sobretudo do amor paterno, é frequente, o que dificulta bastante a experiência do amor de Deus e da sua paternidade. A debilidade da figura do pai em muitas famílias gera fortes desequilíbrios no núcleo familiar e incerteza identitária nos filhos. Sem a experiência diária de amor testemunhado, vivido e recebido torna-se particularmente difícil a descoberta da pessoa de Cristo como Filho de Deus e do amor de Deus Pai.
Fragmentação e desagregação
65. Mesmo se de formas diversas, as respostas testemunham que há em muitas circunstâncias uma fragmentação e desagregação de muitas realidades familiares; o drama que é mencionado constantemente e em primeiro lugar é o do divórcio e da separação do casal, por vezes favorecido pela pobreza. Entre as demais situações críticas mencionam-se realidades familiares alargadas, nas quais se vêem multíplices relações invasivas, ou monoparentais (com mães solteiras ou adolescentes), as uniões de facto, mas também as uniões e a genitorialidade homossexual (mencionada, sobretudo, na Europa e América do Norte). Em determinados contextos culturais, recorda-se com insistência a poligamia como um dos factores desagregantes do tecido familiar. A isto acrescenta-se o fechamento da família à vida. Muitos episcopados frisam com grande preocupação a difusão maciça da prática do aborto. Parece que em muitos aspectos a cultura dominante promove uma cultura de morte em relação à vida nascente. Estamos diante de uma cultura da indiferença em relação à vida. Por vezes, por parte dos Estados, não se contribui para uma tutela adequada dos vínculos familiares, mediante legislações que favorecem o individualismo. Tudo isto, gera entre as pessoas uma mentalidade superficial sobre temas de importância capital. Não poucas intervenções frisam como também uma mentalidade contraceptiva marque de facto negativamente as relações familiares.
Violência e abuso
66. Unânime e transversal nas respostas é também a referência à violência psicológica, física e sexual, e aos abusos cometidos em família sobretudo contra as mulheres e as crianças, um fenómeno infelizmente não ocasional, nem esporádico, particularmente em certos contextos. Recorda-se também o terrível fenómeno do feminicídio, com frequência ligado a profundos distúrbios relacionais e afectivos, e consequência de uma falsa cultura da posse. Trata-se de um dado deveras preocupante, que interroga toda a sociedade e a pastoral familiar da Igreja. A promiscuidade sexual em família e o incesto são recordados explicitamente em certas áreas geográficas (África, Ásia e Oceânia), assim como a pedofilia e o abuso contra crianças. A este propósito menciona-se também o autoritarismo por parte dos pais, que encontra expressão na falta de cura e atenção aos filhos. A falta de consideração pelas crianças junta-se ao abandono dos filhos e à carência repetidamente frisada do sentido de uma genitorialidade responsável, que se recusa não só de se ocupar, mas também de educar os filhos, abandonados totalmente a si mesmos.
67. Vários episcopados assinalam o drama do comércio e da exploração de crianças. A este propósito, afirma-se a necessidade de dedicar uma atenção particular à chaga do «turismo sexual» e à prostituição que explora os menores sobretudo nos países em vias de desenvolvimento, criando desequilíbrios no âmbito das famílias. Frisa-se que quer a violência doméstica, nos seus diversos aspectos, quer o abandono e a desagregação familiar, nas suas várias formas, tenham um impacto significativo na vida psicológica da pessoa e consequentemente na vida de fé, a partir do momento que o trauma psicológico afecta de modo negativo a visão, a percepção e a experiência de Deus e do seu amor.
Dependências, mass media e social networks
68. Entre as diversas situações críticas internas à família são mencionadas insistentemente também as dependências de álcool e drogas, mas também da pornografia, por vezes usada e partilhada em família, assim como do jogo de azar e de videojogos, internet e social networks. Em relação aos mass media, por um lado, frisa-se várias vezes o seu impacto negativo sobre a família, devido em particular à imagem de família veiculada e à oferta de antimodelos, que transmitem valores errados e desviantes. Por outro, insiste-se sobre os problemas de relação que os mass media, juntamente com os social networks e internet, criam no âmbito da família. De facto, a televisão, o smartphone e o computador podem ser um impedimento real do diálogo entre os membros da família, alimentando relações fragmentadas e alienação: também em família se tende cada vez mais a comunicar através da tecnologia. Acaba-se assim por viver relações virtuais entre os membros da família, onde os meios de comunicação e o acesso à internet se substituem cada vez mais às relações. A este propósito, faz-se presente não só o risco da desagregação e da desunião familiar, mas também a possibilidade que o mundo virtual se torne uma verdadeira realidade substitutiva (em particular na Europa, América do Norte e Ásia). É frequente nas respostas a acentuação de como também o tempo livre para a família seja capturado por estes instrumentos.
69. Além disso, é frisado o fenómeno crescente na era da internet do overloadinformativo (information overloading): o aumento exponencial da informação recebida, ao qual com frequência não corresponde um aumento da sua qualidade, juntamente com a impossibilidade de verificar sempre a fidedignidade das informações disponíveis online. O progresso tecnológico é um desafio global para a família, em cujo âmbito causa rápidas mudanças de vida em relação aos valores, aos relacionamentos e aos equilíbrios internos. Por isso, os pontos críticos emergem com mais evidência onde falta em família uma educação adequada para o uso dos meios de comunicação e das novas tecnologias.
c) Pressões externas à família
A incidência do trabalho sobre a família
70. Nas respostas, é unânime a referência ao impacto do trabalho sobre os equilíbrios familiares. Em primeiro lugar, regista-se a dificuldade de organizar a vida familiar comum no contexto de uma incidência dominante do trabalho, que exige que a família seja cada vez mais flexível. Os ritmos de trabalho são intensos e em certos casos extenuantes; os horários muitas vezes demasiado prolongados, que nalguns casos se alongam também ao domingo: tudo isto impede a possibilidade de estar juntos. Devido a uma vida cada vez mais convulsa, os momentos de paz e de intimidade familiar tornam-se raros. Nalgumas áreas geográficas, é evidenciado o preço que a família paga pelo crescimento e desenvolvimento económico, ao qual se junta a repercussão muito mais ampla dos efeitos causados pela crise económica e pela instabilidade do mercado do trabalho. A crescente precariedade do trabalho, juntamente com o aumento do desemprego e a consequente necessidade de deslocamentos sempre mais longos para trabalhar, têm incidências pesadas sobre a vida familiar, produzindo entre outras coisas uma brandura das relações, um progressivo isolamento das pessoas com consequente crescimento de ansiedade.
71. Em diálogo com o Estado e com as entidades públicas designadas, espera-se da parte da Igreja uma acção de apoio concreto para um emprego digno, para salários justos, para uma política fiscal a favor da família, assim como a activação de uma ajuda para as famílias e para os filhos. A este propósito, assinala-se a frequente falta de leis que tutelem a família no âmbito do trabalho e, em particular, a mulher-mãe trabalhadora. Além disso constata-se que a área do apoio e do compromisso civil a favor das famílias é um âmbito no qual a acção comum, assim como a criação de redes com organizações, que perseguem objectivos semelhantes, é aconselhável e frutuosa.
O fenómeno migratório e a família
72. Em relação ao âmbito do trabalho, é frisada também a incidência que a migração produz no tecido familiar: para fazer face aos problemas de subsistência, pais e, em medida crescente, mães, vêem-se obrigados a abandonar a família por motivos de trabalho. A distância de um dos pais tem consequências graves quer sobre os equilíbrios familiares quer sobre a educação dos filhos. Ao mesmo tempo, recorda-se como o envio de dinheiro à família, por parte do pai ou mãe distante, possa gerar uma espécie de dependência nos outros familiares. Em referência a esta situação, indica-se a necessidade de facilitar a reunião familiar através da promoção de políticas adequadas.
Pobreza e luta pela subsistência
73. Nas respostas e nas observações, é insistente e ampla a referência às dificuldades económicas que afligem as famílias, assim como à falta de meios materiais, à pobreza e à luta pela subsistência. Trata-se de um fenómeno vasto, que não diz respeito só aos países em vias de desenvolvimento, mas é mencionado com insistência também na Europa e na América do Norte. Constata-se como nos casos de pobreza extrema e crescente, a família se encontra a lutar pela subsistência, na qual concentra a maior parte das suas energias. Algumas observações pedem uma forte palavra profética da Igreja em relação à pobreza, que põe duramente à prova a vida familiar. Uma Igreja «pobre e para os pobres», afirma-se, não deveria deixar de erguer a sua voz neste âmbito.
Consumismo e individualismo
74. Entre as várias pressões culturais sobre a família mencionam-se, de modo constante, também o consumismo, que incide em grande medida sobre a qualidade das relações familiares, que se concentram cada vez mais no ter e não no ser. A mentalidade consumista é mencionada, em particular na Europa, também em referência ao «filho a qualquer custo» e os consequentes métodos de procriação artificial. Além disso, mencionam-se o carreirismo e a competitividade como situações críticas que influenciam a vida familiar. Frisa-se, sobretudo no Ocidente, uma privatização da vida, da fé e da ética: à consciência e à liberdade individual confere-se o papel de instância absoluta de valores, que determina o bem e o mal. Além disso, recorda-se a influência de uma cultura «sensorial» e do efémero. A este propósito, recordam-se as expressões do Papa Francisco sobre a cultura do provisório e do descarte, que incide em grande medida sobre a frágil perseverança das relações afectivas e muitas vezes é causa de profundo mal-estar e de precariedade da vida familiar.
Contratestemunhos na Igreja
75. Com frequência e com ampla difusão a nível geográfico, nas respostas é relevante a menção dos escândalos sexuais no âmbito da Igreja (pedofilia, sobretudo), mas também em geral a de uma experiência negativa com o clero ou com outras pessoas. Sobretudo na América do Norte e na Europa Setentrional, denuncia-se uma perda relevante de credibilidade moral por causa dos escândalos sexuais. A isto acrescenta-se o estilo de vida por vezes vistosamente abastado dos presbíteros, assim como a incoerência entre o que ensinam e a conduta de vida. É recordado ainda o comportamento daqueles fiéis que vivem e praticam a sua fé «de maneira teatral», evitando aquela verdade e humildade, que são exigidas pelo espírito evangélico. Em particular, frisa-se a percepção da rejeição em relação a pessoas separadas, divorciadas ou pais single por parte de algumas comunidades paroquiais, assim como o comportamento intransigente e pouco sensível de presbíteros ou, mais em geral, a atitude da Igreja, sentida em muitos casos como excludente, e não como de uma Igreja que acompanha e ampara. Neste sentido, sente-se a necessidade de uma pastoral aberta e positiva, que seja capaz de voltar a dar confiança na instituição, através de um testemunho credível de todos os seus membros.
d) Algumas situações particulares
O peso das expectativas sociais sobre o indivíduo
76. Paralelamente a estas situações críticas, internas e externas à família, outras se verificam em particulares áreas geográficas, como por exemplo na área asiática, e não só, onde as fortes expectativas familiares e sociais incidem sobre a pessoa, desde a infância. O rendimento escolar e o valor excessivo atribuído aos títulos de estudo (credentialism) é considerado pela família o objectivo prioritário a ser alcançado. Além de sobrecarregar os filhos de expectativas, nalgumas áreas, assinala-se o impacto negativo sobre a família da frequência dos cursos que se destinam à consecução de particulares metas formativas, depois dos horários escolares, até à noite, a fim de alcançar melhores resultados (cram schools). Nestes casos, disto ressentem a vida familiar e a vida de fé, assim como a falta de tempo livre, para dedicar ao jogo das crianças, ao repouso e ao sono. A pressão das expectativas é por vezes tão forte, que comporta processos de exclusão social, que chegam até ao suicídio. Por fim, recorda-se a dificuldade - derivante do específico contexto cultural e social - de enfrentar e falar abertamente, quer na sociedade quer na Igreja, deste tipo de problemas.
O impacto das guerras
77. Em particular em África e no Médio Oriente, recorda-se o impacto da guerra sobre a família, que causa morte violenta, destruição das habitações, necessidade de fugir, abandonando tudo, para se refugiar noutras partes. Em referência a algumas regiões, é indicado também o efeito de desagregação social causado pela guerra, que por vezes inclui o constrangimento ao abandono da própria comunidade cristã e da fé, sobretudo por parte de inteiras famílias em situações de pobreza.
Disparidade de culto
78. Nalgumas áreas geográficas - como na Ásia e no Norte de África - devido à escassa percentagem de católicos, um grande número de famílias é composto por um cônjuge católico e por outro de outra religião. Algumas respostas, mesmo reconhecendo a grande riqueza para a Igreja dos casais mistos, evidenciam a dificuldade inerente à educação cristã dos filhos, especialmente onde a lei civil condiciona a pertença religiosa dos filhos do casal. Por vezes a disparidade de culto em família configura-se como uma oportunidade ou como um desafio para o crescimento na fé cristã.
Outras situações críticas
79. Entre os factores que incidem sobre as dificuldades familiares, além das doenças físicas, entre as quais a Sida, indicam-se: a doença mental, a depressão, a experiência da morte de um filho ou de um cônjuge. A este propósito, sente-se a necessidade de promover uma abordagem pastoral que se ocupe do contexto familiar, marcado por doença e luto, como momento particularmente oportuno para redescobrir a fé que ampara e conforta. Entre as situações críticas - nalgumas áreas do mundo, determinadas pela diminuição da natalidade - recordam-se também a difusão de seitas, as práticas esotéricas, o ocultismo, a magia e a feitiçaria. Nas respostas constata-se que nenhum âmbito nem situação podem ser considerados a priori impermeáveis ao Evangelho. Resulta ser decisivo o acompanhamento e o acolhimento, por parte da comunidade cristã, das famílias mais vulneráveis, para as quais o anúncio do Evangelho da misericórdia é particularmente forte e urgente.
Capítulo III
As situações pastorais difíceis
A. Situações familiares
80. Das respostas sobressai a consideração comum de que, no âmbito daquelas que podem ser definidas situações matrimoniais difíceis, escondem-se histórias de grande sofrimento, assim como testemunhos de amor sincero. «A Igreja está chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. [...] a casa paterna na qual há lugar para todos com a sua vida cansativa» (EG 47). A verdadeira urgência pastoral é a de permitir que estas pessoas curem as feridas, sarem e retomem o caminho juntamente com toda a comunidade eclesial. A misericórdia de Deus não provê a uma cobertura temporária do nosso mal, mas abre radicalmente a vida à reconciliação, conferindo-lhe renovada confiança e serenidade, mediante uma verdadeira renovação. A pastoral familiar, longe de se fechar num olhar legalista, tem a missão de recordar a grande vocação ao amor ao qual a pessoa está chamada, e de ajudá-la a viver à altura da sua dignidade.
As convivências
81. Nas respostas recebidas de todas as áreas geográficas, releva-se o número crescente de casais que convivem ad experimentum, sem um matrimónio nem canónico nem civil e sem registação alguma. Sobretudo na Europa e na América, o termo é considerado impróprio, porque com frequência não se trata de um «experimento», ou seja, de um período de prova, mas de uma forma estável de vida. Por vezes, o matrimónio é feito depois do nascimento do primeiro filho, de modo que as núpcias e o baptismo celebram-se ao mesmo tempo. As estatísticas tendem a notar uma incidência elevada desta realidade: ressalta-se uma certa diferença entre as zonas rurais (convivências mais escassas) e zonas urbanas (por exemplo na Europa, Ásia, América Latina). A convivência é mais comum na Europa e na América do Norte, em crescimento na América Latina, quase inexistente nos países árabes, menor na Ásia. Nalgumas zonas da América Latina, a convivência é mais um hábito rural, integrado na cultura indígena (servinacuy: matrimónio de prova). Na África pratica-se o matrimónio por etapas, ligado à comprovação da fecundidade da mulher, que implica uma espécie de vínculo entre as duas famílias em questão. No contexto europeu, as situações da convivência são muito diversificadas; por um lado, por vezes ressente-se da influência da ideologia marxista; noutras partes, configura-se como uma opção moral justificada.
82. Entre as razões sociais que levam à convivência registam-se: políticas familiares inadequadas para apoiar a família; problemas financeiros; o desemprego juvenil; a falta de uma casa. Estes e outros factores originam a tendência a adiar o matrimónio. Neste sentido, desempenha um papel também o receio do compromisso a que obriga o acolhimento dos filhos (em particular na Europa e na América Latina). Muitos pensam que na convivência se possa «testar» o eventual bom êxito do matrimónio, antes de celebrar as núpcias. Outros indicam como motivo a favor da convivência, a escassa formação sobre o matrimónio. Para muitos outros ainda a convivência representa a possibilidade de viver juntos sem qualquer decisão definitiva ou comprometedora a nível institucional. Entre as linhas de acção pastoral propostas encontramos as seguintes: oferecer, desde a adolescência, um percurso que aprecie a beleza do matrimónio; formar agentes pastorais sobre os temas do matrimónio e da família. É indicado também o testemunho de grupos de jovens que se preparam para o matrimónio com um noivado vivido na castidade.
As uniões de facto
83. Com muita frequência, as convivências ad experimentum correspondem a uniões livres de facto, sem reconhecimento civil ou religioso. Deve-se ter em consideração que, nalguns países, o reconhecimento civil de tais formas não equivale ao matrimónio, enquanto existe uma legislação específica sobre as uniões livres de facto. Não obstante isto, aumenta o número de casais que não pedem qualquer forma de registação. Nos países ocidentais – recorda-se – a sociedade já não vê esta situação como problemática. Noutros ao contrário (por exemplo, nos países árabes), ainda é muito raro um matrimónio sem reconhecimento civil e religioso. Entre os motivos de tal situação indicam-se, principalmente nos países ocidentais, a falta de ajuda por parte do Estado, para o qual a família já não tem um valor particular; a percepção do amor como facto privado, sem um papel público; a falta de políticas familiares, pelo que se entende o casamento como uma perda económica. Um problema particular é constituído pelos imigrantes, sobretudo quando são ilegais, porque têm medo de ser identificados como tais se procuram o reconhecimento público do seu matrimónio.
84. Ligada ao modo de vida do Ocidente, mas difundida também noutros países, manifesta-se uma ideia de liberdade que considera o vínculo matrimonial uma perda da liberdade da pessoa; incide a escassa formação dos jovens, os quais não pensam que é possível um amor para a vida inteira; além disso, os meios de comunicação promovem amplamente este estilo de vida entre os jovens. Frequentemente, a convivência e as uniões livres são sintoma do facto que os jovens tendem a prolongar a sua adolescência e pensam que o matrimónio é demasiado comprometedor, e sentem medo diante de uma aventura demasiado grande para eles (cf. Papa Francisco, Discurso aos noivos, 14 de Fevereiro de 2014).
85. A este propósito, entre as possíveis linhas de acção pastoral considera-se essencial ajudar os jovens a sair de uma visão romântica do amor, entendido apenas como um sentimento intenso pelo outro, e não como resposta pessoal a uma outra pessoa, no âmbito de um projecto comum de vida, no qual se descerram um grande mistério e uma grande promessa. Os percursos pastorais devem assumir a educação para a afectividade, mediante um processo remoto que comece já na infância, assim como um apoio aos jovens nas fases do noivado, demonstrando o seu relevo comunitário e litúrgico. É necessário ensiná-los a abrir-se ao mistério do Criador, que se manifesta no seu amor, para que compreendam o alcance do seu consenso; é preciso recuperar o vínculo entre família e sociedade, para sair de uma visão isolada do amor; enfim, deve-se transmitir aos jovens a certeza de que não estão sozinhas na construção da própria família, porque a Igreja os acompanha como “família de famílias”. A este propósito, é decisiva a dimensão da “companhia”, mediante a qual a Igreja se manifesta como presença amorosa, que cuida de modo particular dos noivos, encorajando-os a fazer-se companheiros de caminho, entre si e com os outros.
Separados, divorciados e divorciados recasados
86. Das respostas resulta que a realidade de separados, divorciados e divorciados recasados é relevante tanto na Europa como em toda a América; muito menos em África e na Ásia. Considerando o fenómeno crescente destas situações, muitos pais estão preocupados com o futuro dos seus filhos. Além disso, observa-se que o número crescente de conviventes torna o problema dos divórcios menos relevante: gradualmente, as pessoas divorciam-se menos, porque na realidade tendem a casar-se cada vez menos. Em determinados contextos, a situação é diferente: não há divórcio porque não há matrimónio civil (nos países árabes e nalguns países da Ásia).
Os filhos e quantos permanecem sozinhos
87. Outra questão levantada diz respeito aos filhos dos separados e dos divorciados. Observa-se que da parte da sociedade falta uma atenção no que se lhes refere. Sobre eles incumbe o peso dos conflitos matrimoniais, dos quais a Igreja está chamada a ocupar-se. Também os pais dos divorciados, que sofrem as consequências da ruptura do matrimónio e muitas vezes devem responder às dificuldades da situação destes filhos, têm de ser sustentados por parte da Igreja. Acerca dos divorciados e dos separados que permanecem fiéis ao vínculo matrimonial, pede-se ainda atenção pela sua situação que muitas vezes é vivida na solidão e na pobreza. Resulta que também eles são os “novos pobres”.
As mães solteiras
88. É necessário prestar uma atenção particular às mães que não têm marido e que cuidam dos filhos sozinhas. A sua condição é frequentemente o resultado de histórias muito dolorosas, não raro de abandono. É preciso admirar sobretudo o amor e a coragem com que acolheram a vida concebida no seu ventre e com que se ocupam do crescimento e da educação dos seus filhos. Da parte da sociedade civil elas merecem uma ajuda especial, que tenha em consideração os numerosos sacrifícios que enfrentam. Além disso, a comunidade cristã deve prestar-lhes uma solicitude que as leve a sentir a Igreja como uma verdadeira família dos filhos de Deus.
Situações de irregularidade canónica
89. Em linha geral, em várias áreas geográficas, as respostas concentram-se principalmente sobre os divorciados recasados, ou contudo em nova união. Entre aqueles que vivem em situação canonicamente irregular, subsistem diversas atitudes, que vão da falta de consciência da própria situação à indiferença, ou então a um sofrimento consciente. As atitudes dos divorciados em nova união são bastante semelhantes nos diversos contextos regionais, com um relevo particular na Europa e na América, e menor em África. A este propósito, algumas respostas atribuem esta situação à formação carente ou à escassa prática religiosa. Na América do Norte, as pessoas pensam muitas vezes que a Igreja não é mais uma guia moral fiável, acima de tudo no que se refere às questões da família, considerada matéria particular sobre a qual se deve decidir autonomamente.
90. Bastante consistente é o número daqueles que consideram com menosprezo a própria situação irregular. Neste caso, não há qualquer pedido de admissão à comunhão eucarística, nem de poder celebrar o sacramento da reconciliação. A consciência da situação irregular manifesta-se muitas vezes quando intervém o desejo da iniciação cristã para os filhos, ou se sobrevém o pedido de participação numa celebração de baptismo ou crisma como padrinho ou madrinha. Às vezes pessoas adultas que chegam a uma fé pessoal e consciente, no caminho catequético ou quase catecumenal, descobrem o problema da sua irregularidade. Sob o ponto de vista pastoral, estas situações são consideradas uma boa oportunidade para começar um itinerário de regularização, principalmente nos casos das convivências. Uma situação diferente é indicada em África, não tanto em relação aos divorciados em nova união, mas em relação à prática da poligamia. Existem casos de convertidos para os quais é difícil abandonar a segunda ou terceira esposa, com as quais já têm filhos, e que desejam participar na vida eclesial.
91. Antes de abordar a questão do sofrimento ligado à impossibilidade de receber os sacramentos por parte daqueles que se encontram em situação de irregularidade, é indicado um sofrimento mais originário, do qual a Igreja deve ocupar-se, ou seja, o sofrimento vinculado à falência do matrimónio e à dificuldade de regularizar a situação. Nesta crise alguns relevam o desejo de se dirigir à Igreja para obter ajuda. O sofrimento parece muitas vezes ligado aos vários níveis de formação – como indicam diversas Conferências Episcopais na Europa, África e América. Frequentemente não se entende a relação intrínseca entre matrimónio, Eucaristia e penitência; portanto, é muito difícil compreender por que motivo a Igreja não admite à comunhão aqueles que se encontram numa condição irregular. Os percursos catequéticos sobre o matrimónio não explicam suficientemente este vínculo. Nalgumas respostas (América, Europa do Leste e Ásia), evidencia-se como por vezes se julga, erroneamente, que o divórcio como tal, mesmo que não se viva em nova união, torna automaticamente impossível aceder à comunhão. Deste modo permanece-se, sem motivo algum, desprovido dos sacramentos.
92. O sofrimento causado pela não-recepção dos sacramentos está claramente presente nos baptizados que estão conscientes da própria situação. Muitos sentem-se frustrados e marginalizados. Alguns perguntam-se por que motivo outros pecados são perdoados e este não; ou então, por que os religiosos e os sacerdotes que receberam a dispensa dos seus votos e dos ónus presbiterais podem celebrar o matrimónio, receber a comunhão, e os divorciados recasados não. Tudo isto põe em evidência a necessidade de uma formação e informação oportunas. Noutros casos, não se compreende como a própria situação irregular é o motivo para não poder receber os sacramentos; ao contrário, considera-se que a culpa é da Igreja, que não admite tais circunstâncias. Nisto, indica-se também o risco de uma mentalidade reivindicativa em relação aos sacramentos. Além disso, é muito preocupante a incompreensão da disciplina da Igreja, quando nega o acesso aos sacramentos em tais casos, como se se tratasse de uma punição. Um grande número de Conferências Episcopais sugere que se ajudem as pessoas em situação canonicamente irregular a não se considerarem “separados da Igreja, podendo, e melhor devendo, enquanto baptizados, participar na sua vida” (FC 84). Além disso, há respostas e observações, da parte de algumas Conferências Episcopais, que salientam a necessidade de que a Igreja se dote de instrumentos pastorais mediante os quais abrir a possibilidade de exercer uma misericórdia, clemência e indulgência mais amplas em relação às novas uniões.
Sobre o acesso aos sacramentos
93. A respeito do acesso aos sacramentos, evidenciam-se reacções diferenciadas por parte dos fiéis divorciados recasados. Na Europa (mas também nalguns países da América Latina e da Ásia), prevalece a tendência a resolver a questão através de alguns sacerdotes que aceitem o pedido de acesso aos sacramentos. A este propósito, indica-se (em particular na Europa e na América Latina) um modo diferente de responder por parte dos pastores. Por vezes, estes fiéis afastam-se da Igreja ou passam para outras confissões cristãs. Em vários países, não apenas europeus, para muitas pessoas esta solução individual não é suficiente, enquanto elas aspiram a uma readmissão pública aos sacramentos por parte da Igreja. O problema não consiste tanto em não poder receber a comunhão, mas no facto de que a Igreja não os admite publicamente àcomunhão, de forma que parece que estes fiéis simplesmente rejeitam ser considerados em situação irregular.
94. Nas comunidades eclesiais estão presentes pessoas que, encontrando-se em situação canonicamente irregular, pedem para ser recebidas e acompanhadas na sua condição. Isto acontece especialmente quando se procura tornar razoável o ensinamento da Igreja. Em circunstâncias semelhantes é possível que tais fiéis vivam a sua condição sustentados pela misericórdia de Deus, da qual a Igreja se faz instrumento. Outros ainda, como é indicado por algumas Conferências Episcopais da área euro-atlântica, aceitam o compromisso de viver em continência (cf. FC 84).
95. Muitas das respostas recebidas indicam que em numerosos casos se encontra um pedido claro para poder receber os sacramentos da Eucaristia e da Penitência, de modo especial na Europa, na América e nalguns países da África. O pedido torna-se mais insistente sobretudo por ocasião da celebração dos sacramentos por parte dos filhos. Às vezes deseja-se a admissão à comunhão como que para ser “legitimados” pela Igreja, eliminando o sentido de exclusão ou de marginalização. A respeito disto, alguns sugerem que se considere a prática de determinadas Igrejas ortodoxas que, na sua opinião, abre o caminho para um segundo ou terceiro matrimónio, com carácter penitencial; a este propósito, dos países de maioria ortodoxa indica-se que a experiência de tais soluções não impede o aumento dos divórcios. Outros pedem para esclarecer se a questão é de índole doutrinal ou apenas disciplinar.
Outros pedidos
96. Em muitos casos, indicados de modo particular na Europa e na América do Norte, pede-se para facilitar o procedimento em vista da nulidade matrimonial; a este propósito, indica-se a necessidade de aprofundar a questão da relação entre fé e sacramento do matrimónio – como foi sugerido diversas vezes por Bento XVI. Nos países de maioria ortodoxa indica-se o caso de católicos que voltam a casar na Igreja ortodoxa, segundo a prática nela em vigor, e depois pedem para se aproximar da comunhão na Igreja católica. Finalmente, outros instâncias apresentam o pedido de especificar a prática que devem seguir nos casos de matrimónios mistos, nos quais o cônjuge ortodoxo já foi casado e obteve da Igreja ortodoxa a autorização para as segundas núpcias.
Sobre os separados e os divorciados
97. Em várias respostas e observações põe-se em evidência a necessidade de prestar mais atenção aos separados e aos divorciados não recasados, fiéis ao vínculo nupcial. Parece que eles muitas vezes devem acrescentar ao sofrimento da falência matrimonial a dor de não serem considerados convenientemente pela Igreja e, portanto, de serem descuidados. Observa-se que também eles enfrentam as suas dificuldades e a necessidade de serem acompanhados pastoralmente. Além disso, faz-se presente a importância de verificar a eventual nulidade matrimonial, com atenção particular por parte dos pastores, com a finalidade de não introduzir causas sem um discernimento atento. Neste contexto encontram-se pedidos para promover em maior medida uma pastoral da reconciliação, que assuma as possibilidades de reunir os cônjuges separados. Alguns farão observar que a aceitação corajosa da condição de separados que permaneceram fiéis ao vínculo, marcada por sofrimento e solidão, constitui um grande testemunho cristão.
Simplificação das causas matrimoniais
98. Existe um amplo pedido de simplificação da prática canónica das causas matrimoniais. As posições são diversificadas: algumas afirmam que a simplificação não seria um remédio válido; outras, a favor da simplificação, convidam a explicar bem a natureza do processo de declaração de nulidade, para uma melhor compreensão do mesmo por parte dos fiéis.
99. Alguns convidam à prudência, indicando o risco que mediante tal simplificação, e facilitando ou reduzindo os passos previstos, se produzam injustiças e erros; se dê a impressão de não respeitar a indissolubilidade do sacramento; se favoreça o abuso e se impeça a formação dos jovens para o matrimónio como compromisso para a vida inteira; se alimente a ideia de um “divórcio católico”. Propõem, ao contrário, que se prepare um número adequado de pessoas qualificadas para seguir os casos; e, na América Latina, África e Ásia, apresenta-se o pedido para incrementar o número de tribunais – ausentes em muitas regiões – e para conceder maior autoridade às instâncias locais, formando melhor os sacerdotes. Outras respostas relativizam a relevância de tal possibilidade de simplificação, enquanto muitas vezes os fiéis aceitam a validade do seu matrimónio, reconhecendo que se trata de uma falência e não consideram honesto pedir a declaração de nulidade. Contudo, muitos fiéis consideram válido o seu primeiro matrimónio, porque não conhecem os motivos de invalidade. Às vezes, por parte daqueles que divorciaram, sobressai a dificuldade de rever o passado, que poderia reabrir feridas dolorosas pessoais e para o cônjuge.
100. Muitos apresentam pedidos relativos à simplificação: processo canónico facilitado e mais rápido; concessão de maior autoridade ao bispo local; maior acesso de leigos como juízes; e redução do custo económico do processo. Em particular, alguns propõem que se volte a considerar se é verdadeiramente necessária a dupla sentença conforme, pelo menos quando não há pedido de apelo, obrigando contudo o defensor do vínculo ao apelo em determinados casos. Propõe-se também que se descentralize a terceira instância. Em todas as áreas geográficas, pede-se um delineamento mais pastoral nos tribunais eclesiásticos, com maior atenção espiritual em relação às pessoas.
101. Nas respostas e nas observações, tendo em consideração a vastidão do problema pastoral das falências matrimoniais, pergunta-se se é possível fazer face ao mesmo unicamente por via processual judicial. Apresenta-se a proposta de empreender um percurso administrativo. Nalguns casos propõe-se que se proceda a uma verificação da consciência das pessoas interessadas na averiguação da nulidade do vínculo. A questão é se existem outros instrumentos pastorais para verificar a validade do matrimónio, por parte de presbíteros para isto deputados. Em geral, solicita-se uma maior formação específica dos agentes pastorais neste campo, de modo que os fiéis possam ser oportunamente ajudados.
102. Uma formação mais adequada dos fiéis em relação aos processos de nulidade ajudaria, em determinados casos, a eliminar dificuldades, como por exemplo a de pais que receiam que um matrimónio nulo torne ilegítimos os filhos – indicada por algumas Conferências Episcopais africanas. Em muitas respostas insiste-se sobre o facto de que simplificar o processo canónico só é útil se se enfrentar a pastoral familiar de modo integral. Da parte de algumas Conferências Episcopais asiáticas assinala-se o caso de matrimónios com não-cristãos, que não desejam cooperar para o processo canónico.
A atenção às situações difíceis
103. A caridade pastoral impele a Igreja a acompanhar as pessoas que passaram por uma falência matrimonial e a ajudá-las a viver a sua situação com a graça de Cristo. Uma ferida mais dolorosa abre-se para as pessoas que voltam a casar-se, entrando numa condição de vida que não lhes permite o acesso à comunhão. Sem dúvida, nestes casos a Igreja não deve assumir a atitude de juiz que condena (cf. Papa Francisco, Homilia28 de Fevereiro de 2014), mas a de uma mãe que acolhe sempre os seus filhos e cuida das suas feridas em vista da cura (cf. EG 139-141). Com grande misericórdia, a Igreja é chamada a encontrar formas de “companhia” com as quais apoiar estes seus filhos num percurso de reconciliação. Com compreensão e paciência, é importante explicar que a impossibilidade de aceder aos sacramentos não significa ser excluídos da vida cristã e da relação com Deus.
104. Em relação a estas situações complexas, da parte de muitas respostas, salienta-se a falta de um serviço de assistência específica para estas pessoas nas dioceses. Muitas conferências episcopais recordam a importância de oferecer a estes fiéis uma participação concreta na vida da Igreja, através de grupos de oração, de momentos litúrgicos e de actividades caritativas. Além disso, indicam-se algumas iniciativas pastorais, como por exemplo uma bênção pessoal para quem não pode receber a eucaristia, ou o encorajamento da participação dos filhos na vida paroquial. Realça-se o papel dos movimentos de espiritualidade conjugal, das ordens religiosas e das comissões paroquiais para a família. É significativa a recomendação da prece pelas situações difíceis, no âmbito das liturgias paroquiais e diocesanas na oração universal.
Não-praticantes e não-crentes que pedem o matrimónio
105. No contexto das situações difíceis, a Igreja interroga-se inclusive sobre a obra pastoral a empreender em relação àqueles baptizados que, embora não sejam praticantes nem crentes, pedem para poder celebrar o seu matrimónio na igreja. A quase-totalidade das respostas evidenciou que é muito mais comum o caso de dois católicos não praticantes que decidem contrair matrimónio religioso do que dois não-crentes declarados, que pedem este mesmo sacramento. Esta última eventualidade, embora não se julgue impossível, é considerada muito remota. Mais comum, ao contrário, é o pedido de celebração canónica entre dois nubentes, dos quais apenas um é católico, e muitas vezes não pratica

0 comentários:

Postar um comentário