sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Umuarama- Dom Francisco de Humaitá-AM


Irmãos e Irmãs de nossa Igreja Irmã de Umuarama: Às vezes provoco a quem insiste em batizar sem demoras dizendo: E uma heresia querer limitar a misericórdia de Deus para com seus filhos e filhas à celebração do batismo. Costumo insistir na evangelização anterior como um processo de adesão consciente, livre e amorosa da pessoa de Jesus Cristo e de sua mensagem. – Sei que nossa tradição católica seguia outro raciocínio. E embora o Concílio Vaticano afirmasse que para Deus há mais caminhos para salvar as pessoas, nosso povo e, em parte nós ministros, continuamos batendo na tecla do quanto antes, tanto melhor. Aconteceu, recentemente, uma situação no meu ministério que me fez refletir com mais ‘flexibilidade’ sobre esta questão. Em agosto p.p. viajamos, uma Irmã Religiosa, o barqueiro e eu, pelo Rio Marmelo, afluente do Rio Madeira. Subimos aquele rio ‘contemplativo’ com suas águas escuras e ladeado pela densa floresta, interrompidas por poucos ajuntamentos de casas de palafitas. Tempo para refletir como num retiro. Entramos no afluente do Marmelo e subimos mais duas horas de barco pelo rio Maicí até a comunidade de Santa Cruz, onde há décadas habitam os Pirahã – embora sejam nômades. À última vez que os visitei foi nos anos 2002 ou 03. Logo que os Pirahã nos avistaram, vieram ao nosso encontro em duas canoas. Dois homens que falavam com dificuldade português queriam saber o quê havíamos trazido para eles. Já conheciam o barqueiro Juca que mensalmente fazia este percurso a serviço da Saúde Indígena. Juca entendia melhor o ‘sucateado brasileiro’ dos Pirahã. Soubemos entre outras coisas que os 14/ 18 aposentados há mais que cinco meses não recebiam nem sua aposentadoria nem mercadoria para seu gasto diário. Tinham vontade de tomar café adocicado com bolacha. Pediram sabão, anzóis, facão etc. Até a farinha faltou para tomar junto com peixe que é ‘o pão nosso de cada dia’. A conversa ficou sempre mais descontraída; vieram também algumas mulheres que acompanharam a conversa caladas, pois a comunicação com estranhos cabia aqueles homens que representavam a comunidade. Celebramos a Eucaristia naquele dia 20/ 08 a bordo do nosso barco. Os Pirahã não entenderiam nada se celebrássemos naquela praia no meio de abrigos desprovidos de tudo, sem paredes nem ‘assoalho’, que consistia apenas de algumas varas organizadas para se deitar por cima. Algumas folhas de palmeiras davam proteção contra chuva e excesso de sol. Os Pirahã haviam deixado nosso barco. Podíamos celebrar com calma. Já pelo final da S. Missa percebemos que uns homens voltaram novamente e subiram nosso barco sem fazer barulho. Espiaram o que estávamos fazendo... Depois comemos juntos uma sopa reforçada. Não demoramos em nos retirar para dormir. Lá pelas 23:00 hs, deitados em nossas redes, ouvimos vozes: Mãe, mãe! Foi o que entendi. Achei estranho. Eram outros Pirahã que tinham vindo. Demoramos a nos levantar. E quando o fizemos, vimos um casal tinha com um bebê, gravemente doente. Os Pirahã queriam que fizéssemos algo para curar a criança. Eles já não sabiam mais o que fazer. Ou então que os levássemos ao hospital em Manicoré, cidade mais próxima (5 horas de voadeira). – Rezamos de mãos dadas. Evoquei a atitude de Jesus Cristo que sempre acolhia e assumia o papel de mediador. Questionei minha resistência em relação ao batismo de emergência. Não era a hora de entregar esta criancinha aos cuidados do Criador? O batismo não é uma forma de entrega total a Deus? Como ministro ordenado não representava a Igreja? Não cabia à Igreja oferecer a Deus a humanidade? A Igreja não deveria ser instrumento de reconciliação entre Deus e a criatura humana – ainda mais doente e abandonada? Os Pirahã se soubessem do sentido do Batismo, não pediriam com insistência por ele? Batizei a criança, perto de meia – noite com o nome de Petra. No dia seguinte a criança morreu logo que os pais chegaram ao hospital. – Não me consta que outro Pirahã foi batizado. - Que Petra interceda pelos Pirahã junto a Deus!

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